A proposta da Reforma Tributária começou a tramitar no Congresso em 2021. O projeto, quase desacreditado por muitos brasileiros, pode estar perto de ser tirado do papel. Quer entender as peculiaridades envolvidas na aprovação dessa reforma e o motivo de tanta demora? Então confira a matéria até o fim!
Finalmente o nosso sistema de tributação poderá passar por uma alteração significativa, que trará um ambiente fiscal menos burocrático, mais seguro e com maior produtividade. Para o economista e sócio da Tendências Consultoria, Silvio Campos Neto, a reforma tributária é importante porque só com a simplificação, conseguiremos gerar riquezas. Ouça o podcast!
“Há uma percepção de que é preciso mudar. A tributação continua sendo uma das travas do crescimento econômico e a remodelação do sistema tributário seria uma fonte de alívio, permitindo um ganho potencial de fortalecimento da economia”, disse.
Como parâmetro de comparação, no Brasil, segundo dados de 2019 do Banco Mundial, são necessárias mais de 1.500 horas de trabalho por ano para que todos os impostos de uma empresa sejam calculados e pagos. Em outros países, inclusive da América Latina, a média é de 300 horas.
“Além da redução de alocação de mão de obra para calcular os impostos, uma reforma irá extinguir certas distorções na economia. Hoje temos um tipo de alíquota para cada tipo de bens e produtos, isso justifica o investimento em determinado setor que, por muitas vezes, não é o setor mais demandado pela sociedade”, explicou o economista Felipe Camargo. Ouça o podcast!
Até a discussão da Reforma é complexa. Atualmente existem três projetos circulando em Brasília. O PL 3887, de 2020, feito pelo Ministério da Economia, a PEC 110, de 2019, que está no Senado e a PEC 45, também de 2019, que está na Câmara dos Deputados.
A expectativa é de que todas essas propostas convirjam em um único texto, que, de acordo com Felipe Camargo para ter o impacto esperado, deve ser o mais amplo possível em termos de simplificação e impossibilitar benefícios fiscais em regimes específicos para diferentes produtos.
“As propostas que mais trazem esse apelo são as que estão na Câmara e no Senado, com a ideia de transformar o PINS, a Confins, o IPI, a CSLL, o ICMS e o ISS em um único tributo, o CBS (Contribuição de Bens e Serviços)”, reforçou.
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Impactos da Reforma Tributária para os empreendedores
Em relação aos empresários e empreendedores, Silvio Campos destaca que a reforma tem um papel de grande importância, uma vez que os custos gerados pela burocracia dificultam muito o empreendedorismo no Brasil.
“Pensando em linhas gerais, a criação de um imposto sobre valor agregado, de forma a unificar uma gama ampla de impostos, já traria um grande ganho em termos de redução de complexidade e de burocracia, melhorando a eficiência e produtividade do país”, declarou.
No entanto, encontrar um ponto de equilíbrio sobre a unificação dos impostos, de modo que traga benefícios para empreendedores dos mais diversos setores, é um dos maiores desafios que motiva a demora na aprovação da reforma como um todo.
Felipe Camargo explicou que, “atualmente, o setor de serviços no Brasil, é a maior parte da economia e paga a menor alíquota. Com o regime unificado de tributos, é provável que, na equalização, esse setor passe a pagar uma taxa mais alta”.
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A ideia é simplificar, mas como as propostas ainda não estão completamente claras, as discussões sobre os empreendedores giram, principalmente, em torno da unificação das alíquotas. Atualmente o ISS vai de 2 a 5% da receita e, com a mudança, deve passar para cerca de 25%.
“Alguns setores da indústria podem ser beneficiados, mas, para aqueles que já possuem benefícios fiscais, a mudança pode não ser tão boa. Será necessário um tempo maior de transição para esse novo regime, como é o caso de reformas mais amplas, que são as que levam em consideração o ICMS e ISS. Mas tudo isso vai depender das negociações que forem feitas ao longo do período de votação da PEC”, pontuou Camargo.
“É desafiador ser advogado tributarista no Brasil”
O sistema jurídico também é muito afetado pelo sistema tributário brasileiro que, como aponta o advogado tributarista Rodrigo Lara Pugliesi, “é a nossa maior fraqueza”. São inúmeras legislações federais, estaduais e municipais, e cada uma delas com diversas exceções. Ouça o podcast!
“Ser advogado tributarista no Brasil não é nada fácil porque é preciso estar sempre atualizado com as leis e com as exceções. Geralmente, são empresas de segmentos diversos, cada um desses segmentos possuem regras específicas, e o advogado tributarista precisa estar preparado e conhecer para atender de forma adequada o seu cliente”, pontuou.
Além das normas e leis, também é preciso levar em consideração a interpretação dos tribunais a cada legislação, o que significa que uma reforma tributária também aumentará a segurança jurídica, especialmente para aquisições e fusões de empresas.
“O trabalho do advogado não se encerra em saber quais normas serão aplicáveis em um caso ou outro, mas também em saber qual o entendimento dos tribunais sejam eles administrativos ou judiciais para aquela regra específica”, afirmou.
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O sistema tributário já exige reforma há muito tempo
No Brasil a estrutura tributária do país foi constitucionalizada, e para que haja mudança, há a exigência de que seja feita uma proposta de emenda constitucional com votações na Câmara e no Senado, com maioria absoluta.
O economista Paulo Rabello de Castro, mestre e doutor em Economia pela Universidade de Chicago, onde cursou com os professores Milton Friedman, Gary Becker e T.W. Schultz, todos ganhadores do Prêmio Nobel de Economia, é um defensor histórico da reforma tributária.
Para ele, “o sistema atual funciona de pernas para o ar e já exige reforma há muito tempo. No entanto, as várias tentativas do Congresso Nacional não foram aprovadas por não encontrarem, no Poder Executivo, líderes com suficiente percepção de quanto o atual sistema faz mal à produtividade brasileira”. Ouça o podcast!
Rabello também comenta que como se trata de um processo anti competitivo, é também regressivo. “O sistema é muito mais baseado em tributar o consumo de bens e serviços, do que em tributar as fontes de renda e propriedades. Portanto, essa proporção que, por exemplo, nos Estados Unidos, tende mais para a taxação da renda e da propriedade, eventualmente da herança, aqui cai em cima do povão”, esclareceu.
O economista ainda explica que há mais de 20 anos a despesa está ligada, em partes, aos direitos sociais inscritos na Constituição de 88, mas também tem a ver com a divisão dos tributos, que, para ele, é mal feita.
“Todo mundo partilhando a tributação de todo mundo. Isso é muito ruim porque deixa o sistema com um baixo grau de responsabilidade e de alta gastança. E aí, vem o déficit orçamentário, pois a despesa pública tem crescido mais do que a geração da produção. Por isso os dirigentes estão sempre pensando numa forma de tributar, não para fazer sentido, mas para ser uma maneira de arrecadar mais e dar conta da imensa gastança improdutiva do setor”, disse.
Aprovação em 2021?
A previsão dada pelo atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, no início de fevereiro, é que a reforma tributária seja aprovada ainda em outubro deste ano. Apesar da urgência e importância, Felipe Camargo destaca que há volatilidade e durante as negociações as coisas tendem a mudar.
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“Tempo para aprovar a reforma ainda este ano existe. A dificuldade é conhecer a vontade política e a força do lobby dos setores que não tem interesse que a reforma passe”, comentou Camargo.
A prioridade de aprovações dos assuntos ligados à pandemia, também são fatores que podem atrasar as votações da reforma.
“Nesse momento a prioridade seria mais na linha de medidas que criem um ambiente fiscal sustentável a médio e longo prazo, mas é claro que dada a urgência do tema tributário é possível que as discussões ganhem corpo ao longo de 2021”, ressalta Silvio Campos.
A aprovação final da Reforma Tributária é um grande desafio, já que é necessária a criação de uma emenda constitucional e mexer na Constituição nunca foi um trabalho simples. No entanto, é fundamental que toda sociedade continue pressionando o governo para que ela ocorra. Só com a simplificação e transparência à arrecadação, vamos aumentar a produtividade e crescimento sustentável da economia.