Em três ocasiões consecutivas ao longo da gestão Dilma, o Movimento Brasil Eficiente, campanha reunindo mais de cem entidades da sociedade civil, conseguiu fazer chegar ao governo, por meio do ministro Guido Mantega, sugestões práticas de como acelerar a reforma tributária e tornar mais eficiente a gestão do dinheiro do contribuinte. Essas bandeiras não são partidárias; são a maior demanda da sociedade brasileira. Sabemos que uma reforma tributária correta trará de volta o crescimento vigoroso que há muito não se vê no país. As propostas do Movimento dão respostas objetivas a três dificuldades tremendas de se mexer em impostos. Primeiro, explica como sair do manicômio (o sistema atual) para algo simples, sem alterar as arrecadações dos entes federativos — União, estados e municípios. Segundo, como implantar uma reforma por etapas sem, no entanto, deixar de apresentar a visão do objetivo final, que é a redução radical do número de tributos, que fazem do Brasil o campeão mundial em custos burocráticos ao cumprir tais obrigações. Terceiro, como controlar a carga tributária total e, na etapa final, melhorar a distribuição e alocação regional dos recursos.
O MBE apresentou caminhos novos ao ministro. Primeiro, mostrou que é possível aglutinar todos os tributos federais e estaduais que incidem na circulação de uma mercadoria, sem mexer nas proporções que cada ente de governo recebe naquele tributo, bastando criar uma porcentagem fixa — uma “URV fiscal” — assim permitindo ao reformador do sistema evitar lidar com a dificuldade intratável de compensar aos “perdedores”, os estados prejudicados na aplicação do tributo reformado. Isso é verdade no caso do ICMS, imposto cuja receita vai passando de um estado para outro com alíquotas diferentes. A regra de ouro criada pela proposta do MBE diz: “Ninguém ganha; ninguém perde”. A arrecadação pós-reforma continuará preservada nas proporções exatas para cada ente até o nível do dia da mudança. Não há necessidade de se inventar qualquer “fundo de compensação aos perdedores”. Não há perdedores. Ganha, sim, o penado contribuinte, com uma simplificação radical do modo de pagar. Em segundo lugar, ao se aglutinar, desde logo, o ICMS às contribuições federais, como PIS, Cofins, Contribuição Previdenciária Patronal e, também, o IPI, se torna possível respeitar as participações da União, estados e municípios, portanto regularizar — sem prejudicar — os inventivos fiscais existentes, e acabar com a terrível sobreposição de tributos hoje praticada. Finalmente, cria-se o Conselho de Gestão Fiscal, tão falado pelos candidatos, que já tramita no Senado Federal, por iniciativa do próprio MBE.
O governo Dilma e seu ministro insistem noutro caminho. Querem votar uma reforma “aos pedaços” em que não se vislumbra aonde querem chegar, tornando impossível sua compreensão pelos parlamentares. Além disso, a versão que o governo quer votar lida mal com os tais estados “perdedores”, tentando repor perdas futuras com dois fundos compensatórios (FCR e FDR). Em vez de fazer uma reforma neutra em seus efeitos, como propõe o MBE, o governo pagará pelo menos R$ 20 bilhões, por ano, em “compensações” aos supostos entes perdedores, por duas décadas (!), tudo às custas — pasmem — do contribuinte, a quem a reforma prometera defender. Ora, esses fundos não deram certo na Lei Kandir e tornarão a pretendida reforma mais um “saco sem fundo”, pela choradeira dos supostos prejudicados. É puro retrocesso; isso não é reforma.
O ministro Mantega não deu bola para as sugestões práticas da sociedade. A presidente Dilma agora parece ter pressa. Essas duas atitudes, indiferença a boas ideias e pressa no erro, poderão tornar o governo, mal reeleito, objeto de ainda mais desconfiança, inviabilizando a retomada dos negócios no país. O contribuinte, silencioso em seu sofrimento diário, não está morto. Sua paciência roça no limite do bom comportamento. Os 250 mil brasileiros que assinaram as sugestões do MBE querem ser ouvidos, seja em palácio, no Congresso, ou nas ruas.
Fonte: O Globo, 2/11/2014
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