O novo governo possui desenhos muitos peculiares. Desde sua montagem, onde prevalecem quadros técnicos, até uma nova relação com o Congresso Nacional, que visa ser institucional. A prática política que se vislumbra passa ao largo de tudo que já vivemos nas últimas décadas. Esta é uma enorme quebra de paradigma para o Brasil, uma mudança de fundo exigida pelo eleitor, mas que a partir de agora passa pelo jogo parlamentar.
Possuímos uma Constituição parlamentarista dentro de um sistema chamado de presidencialismo, uma situação anacrônica que acaba por gerar uma infinidade de problemas entre os Poderes constituídos da República. Este modelo gerou o que chamamos de “presidencialismo de coalizão”, inaugurado por Sarney, mas que atingiu seu ápice dentro do governo Lula. Aqueles que conseguem navegar neste mar revolto procuram fatiar o poder os entres os aliados, criando uma espécie de presidência parlamentar, como fez o último governo.
Entretanto, a espinha dorsal da administração que chega se baseia na quebra deste paradigma, pois propõe um governo eminentemente presidencialista, que se baseia em políticas claras, buscando o Parlamento como parceiro na construção de soluções para o país. Uma tarefa extremamente difícil diante deste sistema, que apenar de renovado, quer continuar operando nas bases de sempre.
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Do outro lado da renovação está uma classe política apodrecida, mas que ainda possui peso neste jogo, seja mediante o controle dos partidos e seus recursos ou pelo conhecimento das estruturas de poder. Apesar de já terem escutado o recado dos eleitores nas urnas, esta turma acredita que passado o ímpeto inicial reformista do novo governo, inevitavelmente este terá que se dobrar diante das estruturas tradicionais de poder.
Este é o grande risco, ou seja, a união entre burocracia e velha política como forma de frear as mudanças que os novos ocupantes do Planalto desejam ver implementadas. Ouve-se pelos corredores que mudam os comandantes do jogo, mas nas esferas inferiores, a burocracia continua dando todas as cartas, deixando qualquer governo refém de suas vontades e do corporativismo.
A única forma de enfrentar este estado de coisas é realizar mudanças profundas nas operações de funcionamento do poder mediante reformas que mexam em privilégios e ataquem os pilares onde se sustenta o corporativismo que impede o Brasil de avançar. Ampliar e aprofundar a reforma trabalhista e operar uma previdenciária que ataque seus privilégios é o primeiro movimento, somadas no tempo certo com uma reforma política que altere a forma de escolha dos representantes no Parlamento, diminuindo sensivelmente o número de partidos. Somente por este caminho será possível reformar o presidencialismo de coalizão.
O desafio é imenso e batalha está posta. De um lado, uma casta de privilegiados que se beneficiam do sistema. Do outro, a necessidade de reformas que façam do Brasil um país menos desigual. Do vencedor desta disputa depende o futuro de nosso país.
Fonte: “O Tempo”, 26/11/2018