Debelada a inflação, o Brasil passou a ter duas prioridades centrais, em seus três níveis de governo: uma é equacionar as contas da previdência e a outra é recuperar o investimento em infraestrutura, que tem sido vítima de um longo processo de achatamento, em face do vertiginoso aumento dos gastos correntes. São problemas, portanto, profundamente interligados, tanto no diagnóstico, como na solução.
A Previdência é a maior fonte de desequilíbrio fiscal.
Já a situação da infraestrutura do Brasil é notoriamente insatisfatória, e seu equacionamento jamais foi algo prioritário, especialmente depois que os militares saíram do poder. Desde os anos 1990, investimos menos de 3% do PIB no setor, percentual que mal é suficiente para manter o estoque de capital. Uma situação que, se antes era grave, deteriorou-se muito mais nos últimos anos. Com o agravamento da situação fiscal desde 2015, retroalimentada pela crise econômica em que ainda estamos imersos, o investimento público desabou, passando de 2,4% do PIB, em 2014, para 1,2%. O ponto aqui é simples: mesmo que a conjuntura econômica melhore, sem reforma da Previdência, não haverá recursos disponíveis para o setor público investir em infraestrutura no futuro.
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Para solucionar esses problemas, tenho apresentado e discutido uma proposta de reorganização e reforma da Previdência, e, agora, quero colocar ênfase na criação de Fundos de Infraestrutura (FI) para a União, estados e municípios.
Em relação aos investimentos em infraestrutura, o centro da minha proposta é a criação dos Fundos de Infraestrutura (FI), cujo principal objetivo é resolver o problema da falta de recursos. Seu funding está fortemente associado à reforma da Previdência. Quando um estado transfere recursos para o fundo de Previdência cuja criação enfatizo (ou seja, ativos que rendem algo relevante, receitas obtidas com securitizações de ativos e receitas correntes extraordinárias, receitas de royalties, compensações financeiras e outras receitas contínuas, porém finitas etc.), a proposta é que ele transfira um certo percentual dessa folga para os FI.
Vincular a folga fiscal ao FI é particularmente importante para estados e municípios, pois, dessa forma, evita-se que os entes subnacionais se sintam tentados a ampliar os gastos de custeio (notadamente, via contratação de novos servidores ou concessão de reajustes), replicando os atuais problemas a médio e longo prazos.
Se, para estados e municípios, a proposta de vincular os recursos da folga fiscal ao FI é fundamental para evitar ampliação de gastos de custeio, no caso da União, pode-se questionar se os recursos não seriam melhor aplicados na quitação da dívida. Só que os gastos com investimento, mesmo que aumentem o endividamento a curto prazo, podem permitir aumento do PIB e maior arrecadação a médio e longo prazos.
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Para avaliar esse dilema entre maior endividamento a curto prazo e melhoria da relação dívida/PIB a longo prazo, fiz simulações projetando a relação dívida/PIB até 2040 em cenários com diferentes níveis de investimento público. Partindo de um cenário base, em que se mantêm os atuais investimentos públicos com infraestrutura, e comparando com o que ocorre em cenários alternativos, onde o investimento em infraestrutura da União aumenta em 0,5%, 1,0% e 2,0% do PIB, tem-se o seguinte.
De acordo com as projeções, se a União aumentar os investimentos em infraestrutura em até 1% do PIB, a relação dívida/PIB atingiria 88,1% em meados da próxima década (ante 84,6% no cenário sem investimentos adicionais) e passaria a cair posteriormente. Para 2040, a relação dívida/PIB seria de 35,5% no cenário com investimentos adicionais, praticamente o mesmo percentual (35,2%) do cenário base. Em compensação, o PIB seria 6,4% maior.
Já para um maior volume de investimentos adicionais, por exemplo, de 2% do PIB, a relação dívida/PIB chegaria em 2040 a um patamar mais elevado, porém ainda em níveis confortáveis (em torno de 40%). Por outro lado, nesse cenário com mais investimentos, o PIB seria quase 10% mais alto do que no cenário base.
Cabe, por fim, lembrar que as especificidades do investimento em infraestrutura (por exemplo, externalidades, prazos de maturação excessivamente longos, custo de oportunidade mais baixo para o setor público e potenciais ganhos de bem-estar) são tais que as forças do mercado, por si só, não são capazes de prover o nível de serviços que a sociedade deseja. Por isso, mesmo em economias com orientação mais liberal, é fundamental o uso de recursos públicos para custear esse tipo de investimento. E, por fim, as despesas podem ser feitas diretamente pelo governo ou via subsídios ao setor privado.
Fonte: “Correio Braziliense”, 19/02/2019