A flexibilização tende a ter efeitos imediatos sobre o trabalhador menos qualificado
Nesses tempos em que todos se tornaram especialistas em qualquer assunto, do clima à necessidade de vacinação preventiva, da reforma da Previdência à reforma trabalhista, nunca é demais repetir o óbvio: reformas são difíceis. Donald Trump acaba de redescobrir essa pólvora com a implosão de sua reforma do sistema de saúde nos EUA. No Brasil, pululam opiniões, embasadas ou não, sobre a agenda de reformas do governo. Que fique claro: a agenda é complexa, pois reforma não é preto no branco. Nuances e complexidades exigem não apenas que se comunique bem as vantagens e as desvantagens de cada medida, mas que as pessoas tenham um pouco menos de impulsividade para que entendam todos os aspectos das reformas que estão sendo debatidas.
Tomemos, por exemplo, a reforma trabalhista. É indiscutível que o Brasil precisa reformar as leis que governam as relações trabalhistas por diversas razões, inclusive para adaptá-las à nova realidades do Século 21. Reformas desse tipo, de modo geral, são orientadas pelos princípios da flexibilidade e da eficiência – no caso de reformas trabalhistas, o objetivo geralmente é tornar mais ágeis as contratações e as demissões.
Os princípios da flexibilidade e da eficiência, na realidade, norteiam a maior parte das reformas estruturais, e são a base do índice de “Doing Business” do Banco Mundial, no qual o Brasil ocupa a 123ª posição entre 190 países. Ou seja, há pouca eficiência e muita rigidez no mercado brasileiro. Contudo, os princípios da flexibilidade e da eficiência não são infalíveis, como revela vasta literatura sobre os custos das reformas que visam a aumentar a flexibilidade da economia.
No caso das reformas trabalhistas que têm por objetivo facilitar a mobilidade do trabalhador por meio de mecanismos que tornem o mercado de trabalho mais flexível, a evidência empírica é bastante ambígua. Há estudos que mostram os problemas da rigidez: legislações trabalhistas muito rigorosas desincentivam empresas a inovar e a utilizar novas tecnologias devido aos custos onerosos da mão de obra.
O excesso de rigidez também pode levar o trabalhador, que pouco teme perder o emprego, a ser menos esforçado, mais propenso a ser menos produtivo, espécie de efeito perverso da acomodação. Leis demasiado rígidas podem induzir segmentação perversa no mercado de trabalho, elevando a informalidade. Essas são algumas das razões para que se introduza leis mais flexíveis.
Por outro lado, a literatura acadêmica também revela que em alguns casos, trabalhadores que sentem-se protegidos pelas leis vigentes investem mais em si, aperfeiçoado suas qualificações. Portanto, há argumentos empíricos – não opinativos, mas baseados em dados – mostrando que a flexibilidade não é via de mão única. Alguma rigidez caracterizada por medidas de proteção ao trabalhador podem elevar a produtividade da mão-de-obra, superando o efeito acomodação descrito anteriormente. Outros estudos mostram que o aumento da flexibilidade tende a aumentar o desemprego mais rapidamente do que as contratações – portanto, há um ônus fiscal potencialmente elevado na flexibilização, a depender de como estão estruturados os programas de seguro-desemprego custeados pelo governo. Os trabalhos de Bertolia et al (2012) e de Gnocchi et al (2014) revelam que a flexibilização da proteção ao trabalhador tende a aumentar a volatilidade da taxa de desemprego em prazos mais longos, o que pode prejudicar a condução das políticas de estabilização macroeconômica – como a política monetária – a depender de como a reforma é calibrada. Por fim, a flexibilização tende a ter efeitos imediatos na contratação e na demissão de trabalhadores menos qualificados, enquanto os efeitos sobre os trabalhadores mais qualificados tende a ser mais gradual e menos intenso. Portanto, dependendo de como a reforma é estruturada, ela pode ter efeitos redistributivos bastante relevantes.
O título desse artigo é um clichê. Portanto, o encerrarei com outro clichê. Reformas são difíceis e o diabo mora nos detalhes. É importante entender os detalhes para poder opinar.
Fonte: “O Estado de S.Paulo”, 30 de março de 2017.
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