Se empreender no Brasil não é fácil, dada a burocracia para abrir e fechar uma empresa, falir, nas mesmas circunstâncias, é ainda pior. As leis vigentes não favorecem o pagamento das dívidas, principal objetivo da falência. Tendo em vista todas as etapas para a venda dos bens do devedor, resulta em sucateamento dos mesmos e retorno financeiro insuficiente para liquidação.
Para o empreendedor, sócio da sociedade falida, ou o próprio falido, pessoa física, há algo semelhante a um castigo: vários anos impossibilitado de tentar novamente, até que se encerre a falência, o que pode levar mais de uma década.
No final de novembro, o Senado aprovou o texto principal do projeto de lei 4.458/2020, que reformula a Lei de Recuperação Judicial e Falência. Uma esperança de processos falimentares mais ágeis e da criação de segurança jurídica.
Para o advogado Guilherme Gaspari Coelho, sócio do escritório Stocche Forbes Advogados, o projeto também estimula que empresas em crise, que ainda não têm processos formais ajuizados, possam sair reestruturadas. Ouça o podcast!
“A alteração do projeto cria um ambiente judicial favorável para que todos utilizem os instrumentos que a lei prevê, para que as companhias consigam, de forma mais rápida, voltar a plena atividade empresarial”, explicou.
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Entre as mudanças ocorridas com a PL, Guilherme destaca pontos que estimulam a mediação e a conciliação; a regulamentação de financiamento de empresas durante a recuperação judicial; a possibilidade de apresentação de plano alternativo por credores; a adoção de regras relacionadas a insolvência transnacional; a previsão específica sobre consolidação substancial; a possibilidade de uma alienação rápida, logo após a distribuição do pedido de recuperação judicial; e a alteração de quórum na recuperação extrajudicial.
Se a PL cria segurança jurídica, atraindo investidores estrangeiros, e torna o processo falimentar mais ágil, acaba favorecendo a economia. É o que explica o advogado Bruno Valladão Guimarães Ferreira, sócio do escritório Motta Fernandes Advogados, “A lei de falência e de renegociação, em qualquer país, em qualquer economia, vai ser sempre importante pra incentivar ou desincentivar o empreendedorismo e a relação de negócios”, defendeu. Ouça o podcast
Pontos que ficaram de fora não diminuem a importância da PL
A lei, que é dividida basicamente em 4 partes, recuperação judicial, recuperação extrajudicial, falência e crime falimentar, deixou a desejar na parte de falência. Mais de um artigo versando sobre o mesmo tema e regras fora de ordem cronológica não favorecem o entendimento. Outro ponto preocupante é a possibilidade de o Fisco pedir falência por não pagamento do parcelamento tributário, dando ao Estado mais um privilégio.
A redação da lei vigente, anterior a reforma recém aprovada, acabou sendo reescrita pelo poder judiciário e, “o fato de uma lei precisar ser, na prática, reescrita pelo judiciário é sempre muito ruim, porque isso causa insegurança”, defendeu Bruno.
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A reforma é muito importante, não só do ponto de vista prático, da agilidade, da segurança jurídica e da recuperação econômica, mas também em algo um tanto quanto subjetivo, a maneira como o processo falimentar é encarado no Brasil.
“Sempre se fugiu muito da falência, é até uma questão cultural de que a pessoa que não dá certo, tem que ser ‘esquartejada em praça pública’. Que é uma visão cultural completamente errada. O oposto do que acontece, por exemplo, nos Estados Unidos e na Inglaterra. Quem tenta, é reconhecido. Porque é sempre louvável que a pessoa tente”, argumentou o sócio da Motta Fernandes Advogados.
Falir é uma possibilidade na jornada de quem empreende e não uma sentença de fracasso a ser amargada eternamente. O que se espera é que as alterações significativas nas leis, se bem aplicadas, possam também ajudar a mudar essa mentalidade.