* Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli
Neste momento em que as desastradas políticas adotadas ao longo do primeiro mandato de Dilma Rousseff cobram da nação um elevado preço, surge uma boa oportunidade para se reformular profundamente a atuação do BNDES, reduzindo-se seus custos e aumentando-se sua transparência.
A justificativa econômica para a criação do banco, na década de 1950, foi a ausência de um mercado de capitais eficiente para financiar a industrialização. Planejou-se um órgão enxuto que focaria sua atuação em casos clássicos nos quais a teoria econômica justifica a atuação direta do Estado no mercado de capitais. Diante de investimentos vantajosos para a sociedade, mas não suficientemente rentáveis para atrair o investidor privado, a teoria recomenda que o Estado estimule o investimento privado, por meio de condições especiais de financiamento não oferecidas pelo mercado. Mas essa recomendação baseia-se em duas premissas fundamentais: que o Estado tenha capacidade técnica para identificar corretamente os casos em que seu apoio se justifica; e que não seja capturado por grupos de interesses – grandes empresas, partidos políticos, sindicatos, etc. – capazes de desvirtuar sua atuação.
[su_quote]Para acabar com distorções seria necessário reorientar a atuação do BNDES, por exemplo retirando-lhe gradualmente o papel de banco emprestador, e transformando-o numa agência governamental equalizadora de taxas de financiamentos concedidos pelo mercado privado[/su_quote]
A dificuldade de implantação da teoria decorre do fato de os benefícios gerados por subsídios ao investimento serem plenamente visíveis – por exemplo, novos empregos e diversificação da economia – mas os custos nem sempre. Alguns desses custos são facilmente mensuráveis, como o valor do subsídio e o custo adicional decorrente de eventual inadimplência. Os custos difíceis de quantificar surgem quando as duas premissas que justificam o subsídio não se observam, havendo decisões técnicas incorretas em relação aos setores merecedores de apoio, e/ou captura do banco estatal por grupos de interesse. Finalmente, um custo importante de difícil mensuração é a atrofia do mercado de capitais, resultante da ação de um intermediário financeiro que opera em condições inigualáveis por aqueles cuja fonte de recursos se dá a valores de mercado.
Nos últimos seis anos, o BNDES recebeu o equivalente a 9% do PIB de empréstimos do Tesouro com vencimentos a perder de vista. Às taxas Selic e TJLP atuais, o custo anual dessa política está em torno de 0,6% do PIB – o valor exato não se sabe, pois as condições dos empréstimos são misteriosas. Trata-se de metade da meta de superávit primário de 2015, um gasto semelhante ao do programa Bolsa Família. Se houver inadimplência sobre esses recursos, o custo será maior ainda. Quais empresas receberam esses recursos? A que taxas e prazos para quitação? Que garantias ofereceram? O banco não responde de maneira satisfatória estas questões, alegando sigilo bancário. Nesse período, a contribuição do BNDES para a atrofia do mercado de capitais pôde ser percebida indiretamente na queda das ofertas iniciais de ações na bolsa, enquanto grandes empresas recompravam suas ações ou fechavam o capital.
Para se acabar com essas distorções seria necessário reorientar a atuação do BNDES, por exemplo retirando-lhe gradualmente o papel de banco emprestador, e transformando-o numa agência governamental equalizadora de taxas de financiamentos concedidos pelo mercado privado. A atuação desse novo BNDES seria pautada pela validade das duas premissas fundamentais acima citadas. Seu competente corpo técnico, possivelmente em concerto com os ministérios da área econômica, proporia os setores merecedores de subsídio creditício, devendo publicar os estudos que justificassem as proposições. O montante global dos subsídios e os critérios para sua utilização constariam da Lei de Diretrizes Orçamentárias. Dessa forma, estaria disponível para a crítica da sociedade toda a fundamentação conceitual da alocação dos subsídios, bem como seus custos, em flagrante contraste com a escolha de vencedores que caracterizou a atuação recente do BNDES.
Dados os critérios de alocação estabelecidos, uma empresa cuja proposta de investimento neles se enquadrasse solicitaria o recebimento de subsídios. A empresa não tomaria empréstimo junto ao BNDES, mas junto ao mercado de capitais privado, o que estimularia uma fiscalização mais criteriosa da viabilidade dos projetos. O subsídio seria pago de forma diluída, acompanhando a quitação das parcelas do financiamento previstas no contrato junto ao financiador privado. Como o BNDES não concederia empréstimos, o sigilo bancário não se aplicaria. O CNPJ e os valores dos subsídios pagos a cada empresa seriam divulgados no portal do banco.
O BNDES poderia apoiar também a emissão de ações de empresas que se enquadrassem nos critérios já mencionados. Neste caso, a cada emissão primária, o banco compraria uma parcela das ações, desde que a emissão conseguisse atrair investidores privados. Assim, resgatar-se-ia a BNDESPAR cuja atuação foi inibida nos últimos anos.
As vantagens do sistema acima são a transparência na definição dos critérios para a distribuição dos subsídios; a transparência quanto aos beneficiários dos subsídios; a transparência de seus custos; o fato de que eventuais inadimplências não onerariam o contribuinte, mas apenas o financiador privado; e o estímulo ao mercado de capitais, que passaria a atuar plenamente na intermediação entre poupança e investimentos. Certamente um sistema mais democrático e aberto que o atual, onde o montante de subsídios não faz parte do orçamento do governo, os critérios de empréstimos são pouco claros, e não há qualquer avaliação técnica rigorosa dos resultados da atuação do banco.
Fonte: Valor Econômico, 17/03/2015.
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