O terceiro inciso do artigo 167 da Constituição Federal impede (ou veda) “a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta”.
Essa vedação, conhecida por regra de ouro, impede que o governo se endivide para pagar gastos com custeio. Permite-se o endividamento para financiar o investimento em capital produtivo e a rolagem da dívida, isto é, emitir dívida nova para pagar dívidas vincendas.
No período em que a inflação era muito elevada, a regra de ouro não era problema. Com inflação alta, a maturidade da dívida pública era curta. O grosso do gasto público era com a rolagem da dívida pública.
Como argumentei na coluna de 27 de agosto do ano passado, gastos com rolagem da dívida não são, do ponto de vista econômico, efetivamente gastos, apesar de o serem do ponto de vista da contabilidade pública.
Após a estabilização da economia, o contínuo aumento do gasto com custeio -salários, aposentadorias e programas sociais- foi financiado pela elevação da carga tributária.
Desde 2012, quando os impostos passaram a crescer com a economia, mas os gastos continuaram a se expandir bem acima do PIB, o deficit primário tem aumentado.
Dado que o deficit público é causado essencialmente pelo gasto obrigatório de custeio -o investimento já se encontra em nível muito baixo-, o governo tem tido que se endividar para pagar gasto corrente.
Até agora não houve violação da regra de ouro, pois o BNDES tem antecipado o repagamento de empréstimos que o Tesouro Nacional fizera ao banco.
Apesar de esse repagamento, do ponto de vista econômico, não constituir renda do setor público, trata-se de receita do ponto de vista da contabilidade pública, podendo, portanto, ser empregado para gastos de capital.
No entanto, em alguns anos não teremos mais esse expediente. A não satisfação da regra de ouro reflete o impasse de nosso contrato social: o Congresso Nacional nem eleva os impostos nem aprova medidas que cortam o gasto. O Ministério da Fazenda não tem instrumentos para atender a regra de ouro.
Assim, é necessário que haja alguma regulamentação caso a regra de ouro não seja satisfeita. Como ocorre com o teto do gasto, é necessário que o não cumprimento da regra de ouro deflagre automaticamente medidas corretivas.
Por exemplo, impedir aumento nominal de salários de servidores, novos concursos, renovação de incentivo ou qualquer desoneração tributária etc.
Essas válvulas de escape são necessárias para auxiliar nossa sociedade a sair do impasse.
Que fique bem claro: ausência de ajuste fiscal nos recolocará inexoravelmente no abismo inflacionário dos anos 1980.
Basta olhar a dificuldade atual da Argentina para combater a inflação, que era de 30% há um ano e meio, e a tragédia da Venezuela para nos lembrarmos de que qualquer situação sempre pode piorar.
Há colegas que consideram que não há necessidade de nenhum ajuste, visto que o governo pode contornar a regra de ouro por meio de crédito suplementar ou especial.
Créditos dessa natureza são para pequenos ajustes no Orçamento, e não para descumprimento da regra de ouro em mais de uma centena de bilhões de reais.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 07/01/2018
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