A interminável cultura intervencionista do Estado sobre a atividade econômica no Brasil ganhou mais um capítulo na última semana: o senador Álvaro Dias (Pode-PR) apresentou projeto de lei que estabelece teto de 20% ao ano para juros dos cartões de crédito e cheque especial para todas as dívidas contraídas entre março deste ano e julho de 2021. A medida parece simpática, mas é um tipo de ação que pode trazer consequências graves para uma economia que, mesmo antes da pandemia do novo Coronavírus, já lutava a duras penas para dar passos mais sólidos.
A proposta tramita desde março e deveria ter sido votada no último dia 14, mas a apreciação da medida foi adiada. Outros dois projetos que vedam a cobrança de juros e multa por atraso em operações de crédito, de autoria da senadora Rose de Freitas (Pode-ES), tramitam em conjunto. Em entrevista ao Instituto Millenium, o diretor-executivo do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), Manuel Thedim, criticou duramente a iniciativa, classificando-a como “populismo da pior espécie”.
“Isso é uma perda de tempo que vai gerar escassez de crédito no mercado. Tabelar preço nunca deu certo em lugar nenhum e em momento nenhum. É uma regulação mal feita. Acredito que a única coisa que o mercado faz é estabelecer preços, o restante é consequência. Uma regulação é necessária para garantir que não haja monopólio ou falta de transparência, de uma forma técnica. Agora, estabelecer preço é desastre na certa”, asseverou.
A consequência da insegurança gerada pelo tabelamento foi resumida por Thedim de uma forma simples: se uma pessoa empresta dinheiro para a outra gera risco e não gera garantia, porque fazer a operação? “Se eu tenho custo de imposto, tenho custo administrativo e no final tenho o risco da inadimplência, vou comparar isso com a receita possível. Se a receita for menor do que o custo, é preferível ficar com o dinheiro ‘entesourado’ no caixa”, disse o economista, ressaltando, no entanto, que o fato de a fixação do teto de 20% ser um absurdo não exclui problemas existentes hoje, como as altas taxas do spread bancário, que é a diferença entre o preço da compra e da venda de uma ação, título ou transação monetária.
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O economista, que também integra o Conselho Consultivo da Câmara Metropolitana do Rio de Janeiro, lembrou o histórico danoso causado pelo controle de preços no Brasil. A ação mais clara, que trouxe o resultado mais desastroso, se viu no Plano Cruzado, durante o governo de José Sarney. Com o pretexto de defender o consumidor e coibir abusos, a medida, no início, foi popular. Mas o tempo passou; sem previsão de margem de lucro, as empresas pararam de produzir; as mercadorias sumiram das prateleiras; o consumidor passou a ter que pagar ágio… E a situação, que já era muito difícil, se deteriorou completamente.
“O controle de preços resultou na primeira década perdida, na diminuição dos investimentos e no desabastecimento da economia. Quando se estabelece um limite de preço, as pessoas só vão produzir se tiverem lucro. E quando o preço é estabelecido abaixo do custo do produto, isso resulta em uma tragédia, desorganiza completamente a economia, gera alocação inadequada dos investimentos e se perde a noção de preços relativos. Isso não tem como funcionar. Dessa forma, nem as famílias nem os investidores conseguem tomar decisões racionais”, disse Thedim.
“De boas intenções, o inferno está cheio”, alerta Ana Carla Abrão
A proposta que tramita no Senado também foi criticada pela economista Ana Carla Abrão, head do escritório da Oliver Wyman no Brasil. Em artigo publicado na terça-feira (19) pelo jornal O Estado de São Paulo, ela lembra que a crise na economia real resvala na questão do crédito. “Foi assim em 2015, por exemplo. Ali, foram observados aumentos de 85% e superiores a 100% na inadimplência de pequenas e médias empresas e de grandes corporações, respectivamente. A atual crise tem características distintas, mas é claramente mais profunda e espalhada. Considerando-se o movimento de expansão de crédito observado pré-covid, não é errado supor que um impacto ainda mais forte possa ser observado sobre as carteiras de crédito atuais”, destacou.
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Na opinião de Ana Carla Abrão, o projeto de lei emperra a roda da economia e cria o risco de uma desorganização no mercado, com impactos futuros. “Na pior [das hipóteses], poderá gerar uma crise financeira sistêmica, fragilizando o mercado, gerando maior concentração e eliminando do setor participantes novos que vinham trazendo competição, eficiência e inclusão financeira à população de mais baixa renda”, disse.