Um dos elementos fundamentais da democracia – e uma de suas vantagens em relação à suas alternativas – é a solução pacífica de conflitos sociais e políticos. Os casos de violência testemunhados nos últimos dias são não só a negação da convivência democrática, como também uma ameaça ao próprio regime. O Caso do adolescente amarrado a um poste por “justiceiros” por praticar pequenos furtos e o caso do cinegrafista morto por um rojão em uma manifestação no Rio são tenebrosos e – em ambos os casos – praticados por pessoas que recusam as vias legais, e democráticas, para a resolução de conflitos. Nos indignarmos e apontarmos a sua crueldade – e os seus riscos – é necessário. Para além dessa indignação, nos cabe também perguntar se não estamos testemunhando ecos perigosos a ressoar na sociedade, que indiquem que não são casos isolados, mas frutos de maneiras de pensar mais arraigadas na população, e que permanecem latentes em nossa cultura política.
[su_quote]Denunciar e recusar a violência é necessário[/su_quote]
Nas redes sociais (e para além dela) durante a semana, apareceram por um lado, manifestações de “compreensão” daquelas pessoas que tomam a justiça pelas próprias mãos como forma de resolver a ineficiência do Estado em solucionar os problemas da segurança. Também houve quem minimizasse a morte do cinegrafista, dizendo que a mídia omite a violência cotidiana das periferias, sobrevalorizando a morte de um dos seus, em uma atitude corporativista. Também se viu a relativização do uso da violência nas manifestações (ao menos antes da morte do cinegrafista), afinal “apenas alvos simbólicos” eram atacados. Em um debate imaginário, é possível que aqueles que “entendem” os justiceiros, de um lado, e os black blocks, do outro, se estranhassem e se identificassem como antagônicos (os próprios justiceiros e black blocks, é claro, sequer participariam de um). Apesar dos sinais trocados, entretanto, são mais parecidos do que imaginam. Ambos recusam a possibilidade do diálogo e das soluções democráticas para a resolução dos conflitos. Podem até não praticar a violência pessoalmente, mas encontram formas de justificá-la e “compreendê-la”. A lógica que compartilham é que a depender da situação ou objetivo que se considere necessário, a violência é aceitável, ou no mínimo, compreensível.
Denunciar e recusar a violência é necessário. Mas ainda mais imprescindível é ficarmos atentos para os sinais da permeabilidade da aceitação ou relativização da violência nos discursos e na cultura política, já que é ela o maior indicativo da falência da convivência democrática. A violência é inaceitável. Ponto.
Fonte: Qualidade da Democracia, 14/02/2014.
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