A Comissão Especial do Extrateto do Senado Federal identificou situações em que a vinculação de rendimentos dos ocupantes de cargos distintos se dá à margem de uma leitura estrita do texto constitucional. De acordo com o relatório final aprovado pela Comissão, esse tipo de interpretação fragiliza o sistema federativo e o princípio da Separação entre os Poderes.
O primeiro caso de interpretação nesse sentido elencado no relatório é o denominado “efeito cascata do Judiciário”. O relatório lembra que decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou que o subsídio dos Desembargadores dos Tribunais de Justiça não poderia ser inferior a 90% dos fixados para Ministro de Tribunal Superior. Assim, o CNJ criou um mecanismo de reajuste automático daqueles subsídios, sempre que alterado, por lei federal, o subsídio de Ministro do STF.
De acordo com o relatório tal interpretação não encontra amparo no texto da Constituição. “Os limites de 5% e 10% a que alude o inciso V do art. 93 devem ser observados entre os subsídios das demais categorias da magistratura nacional, não se podendo depreender do texto que o subsídio de desembargador deva corresponder a pelo menos 90% do subsídio de Ministro de Tribunal Superior”, afirma o documento.
A análise ainda aponta que mesmo que a interpretação do CNJ fosse correta, não lhe seria dado, por decisão em pedido de providências ou por resolução, promover a alteração do subsídio dos Desembargadores, pois isso fere preceito constitucional expresso a exigir lei para tanto. A jurisprudência pacífica do STF é no sentido de que o aumento de remuneração de agentes públicos, por força do art. 37, X, da Carta Magna, depende de lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso.
O relatório da Comissão também destacou que à semelhança do que fez o CNJ, o Conselho Nacional do Ministério Público decidiu determinar aos Procuradores-Gerais de Justiça dos Ministérios Públicos estaduais que adotem imediatamente o valor do subsídio do Procurador-Geral da República como referência para fins de pagamento do subsídio dos membros do Ministério Público, extensivo aos inativos e pensionistas, observado o escalonamento previsto no artigo 93, V, da Constituição Federal.
“A decisão padece dos mesmos vícios da anterior, somado ao fato de que o Ministério Público nem mesmo tem o caráter nacional reconhecido pelo STF à magistratura, constituindo, como único fundamento para a decisão do CNMP, o fato de que algo semelhante foi deferido pelo CNJ, e que deveria haver isonomia entre as carreiras da magistratura e do Ministério Público”, explica o relatório.
Efeito cascata dentro do próprio Judiciário Federal
Outro aspecto da questão, suscitado nas diligências realizadas pela Comissão, refere-se ao fato de que a fixação do subsídio do Ministro do Supremo Tribunal Federal repercute automaticamente nos valores dos subsídios dos desembargadores e juízes federais. O relatório destaca que esse efeito, além de gerar elevado impacto financeiro, impede que o Poder Legislativo avalie adequadamente a política remuneratória do Poder Judiciário.
O documento explica que tal efeito não decorre do que dispõe o art. 93, V, da Constituição Federal. No caso da magistratura da União, ele advém de regra legal que estabeleceu vinculação remuneratória entre os subsídios dos ministros de tribunais superiores e os juízes de tribunais regionais federais e juízes federais.
“O preceito constitucional define percentuais mínimo e máximo da diferença remuneratória entre as categorias da magistratura, mas não aponta o subsídio de ministro de tribunal superior como parâmetro para a aplicação daqueles percentuais. Tampouco o subsídio de ministro do STF é utilizado como parâmetro para a concessão de reajustes automáticos nos subsídios dos demais magistrados brasileiros, exceto os de ministro de tribunal superior, que a própria Constituição determina como correspondentes a 95% daquele subsídio”, explica o texto.
A Lei nº 10.474, de 27 de junho de 2002, anterior, portanto, à Lei que estabeleceu, pela primeira vez, o valor do subsídio dos Ministros do STF, fixou o valor do vencimento destes em R$ 3.950,31. E dispôs, no § 2º do art. 1º, que a remuneração dos Membros da Magistratura da União observará o escalonamento de 5% (cinco por cento) entre os diversos níveis, tendo como referência a remuneração, de caráter permanente, percebida por Ministro do Supremo Tribunal Federal. E é essa regra, cuja constitucionalidade já seria discutível na origem, que determina o quanto cada magistrado e cada desembargador federal recebem de subsídios até hoje.
“Assim, subverte-se completamente a norma constitucional, que estabelece que os subsídios dos demais magistrados serão fixados em lei (art. 93, V), respeitando-se as diferenças mínimas e máximas de 5% e 10%. Atualmente, e enquanto vigente a Lei nº 10.474, de 2002, quando se fixa o valor do subsídio dos Ministros do STF, e, por consequência, dos Ministros dos Tribunais Superiores (95% do valor daquele), também se elevam automaticamente os subsídios de toda a magistratura federal, e na menor diferença entre categorias admitida pela Constituição Federal: 5%”, explica o relatório.
Para a Comissão, a Lei nº 10.474, de 2002, não poderia, ainda hoje, gerar efeitos, “muito menos em clara afronta ao inciso XIII do art. 37 da Constituição Federal, que veda a vinculação remuneratória”. Outro ponto defendido pela comissão é que a Lei se origina de projeto de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, não dos tribunais superiores, aos quais ela caberia privativamente, nos termos do art. 96, II, b, da Carta Magna.
“Assim, mesmo que a lei, ao invés de determinar uma vinculação remuneratória, efetivamente fixasse o valor do subsídio de juízes da União, a iniciativa deveria partir de cada tribunal superior: o Superior Tribunal de Justiça, em relação aos juízes federais e os membros dos tribunais regionais federais; o Tribunal Superior do Trabalho, em relação aos juízes do trabalho e aos membros dos tribunais regionais do trabalho; o Superior Tribunal Militar, em relação aos juízes militares da União. O § 2º do art. 1º da Lei nº 10.474, de 2002, padece, portanto, a nosso ver, também de vício de iniciativa.
Medidas propostas
O relatório da senadora Kátia Abreu propõe um pacote de 12 medidas para colocar fim aos chamados supersalários – aqueles acima do teto constitucional (atualmente em R$ 33,7 mil). O texto também visa a acabar com o efeito cascata nas remunerações.
No relatório aprovado, a senadora propõe três projetos de lei, recomenda a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 62/2015 (que veda o efeito cascata) e faz sugestões aos Três Poderes e à Mesa do Senado Federal com o objetivo de que o teto constitucional seja efetivamente cumprido.
Entre as principais medidas, está o Projeto de Lei para regulamentar quais benefícios (como auxílios, gratificações e assistências) devem ser submetidos ao teto – ou seja, não podem ultrapassar o limite de R$ 33,7 mil – e quais podem ser computados acima disso, ou seja, são extrateto.
“Agora não há mais dúvida do que é teto e o do que é extrateto. Mas, para aqueles que acham que há injustiça, eu recomendo que se lembrem que, no Brasil, o salário mínimo é de R$ 880 reais. Isso sim é injustiça”, afirmou a senadora.
Fonte: Contas Abertas.
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