Tem crescido o incômodo com a atual regra de reajuste anual do salário mínimo, que expira em 2015, baseada nas últimas informações disponíveis de taxa da inflação e de crescimento do PIB. Como os patamares atingidos em termos reais estão próximos das referências mundiais, discute-se moderar os ajustes daqui em diante, para permitir que estejam mais alinhados aos ganhos de produtividade do trabalho. Esta seria uma “regra de ouro” para minimizar efeitos colaterais nocivos da política que põem em risco o crescimento econômico e a manutenção das conquistas sociais das últimas duas décadas.
A vinculação do salário mínimo a gastos da previdência social e políticas de transferência de renda, algo único na experiência mundial, torna essa discussão ainda mais urgente, pois o comprometimento de recursos públicos tem sido crescente.
Quanto aos efeitos do salário mínimo, sua eficácia na melhora da distribuição de renda depende de seu impacto sobre os ajustes nominais dos demais salários da economia. Quanto maior o impacto do salário mínimo sobre os demais, menor seu efeito distributivo e maior o risco inflacionário.
O risco inflacionário, usando a linguagem dos economistas, decorre do possível deslocamento para da curva de oferta agregada da economia, que por sua vez reflete o somatório das curvas de custo marginal das empresas, que são por sua vez pressionadas pelo aumento de salários. O resultado final seria o aumento da taxa de inflação, mantidas as condições do lado da demanda. Se, no entanto, o ajuste do mínimo estiver alinhado aos ganhos de produtividade da economia, a curva de oferta agregada não se move, e o efeito inflacionário seria nulo.
Investigar o efeito do mínimo sobre o salário médio é parte essencial na tomada de decisão da mudança de regra.
A curta série histórica de rendimento nominal dificulta maiores conclusões. Ainda assim, cabem algumas observações gerais.
Até 2005, quando as decisões de reajuste eram basicamente discricionárias, havia maior aderência entre o reajuste do mínimo e a variação do rendimento médio no trimestre anterior. Uma possível explicação é que as condições da economia no momento imediatamente anterior acabavam de alguma forma balizando a tomada de decisões dos políticos.
A partir de 2006, quando a regra atual foi acordada, o desempenho do rendimento médio (no trimestre anterior) perde a relevância para explicar o reajuste do mínimo. Por outro lado, este parece influenciar mais o comportamento do rendimento médio adiante, ao longo do ano, o que parecia pouco relevante até então.
Esse período coincide com o início do aumento da participação do emprego com carteira no emprego total, o que certamente pode ter contribuído para aumentar a influência do mínimo sobre o rendimento médio, pelo aumento do número de pessoas recebendo o mínimo, e não exatamente pela influência sobre os demais salários. Nesse caso, minimiza-se o risco inflacionário, pois a decisão de formalização da mão-de-obra pode estar associada a ganhos de produtividade que acabam compensando o aumento de custos das empresas.
A partir de 2009, no entanto, parece surgir um elemento novo. A contaminação do mínimo sobre o rendimento médio parece mais sensível ao grau de aquecimento do mercado de trabalho, este medido pelo diferencial entre a taxa de desemprego e um suposto nível de equilíbrio. O mercado de trabalho apertado pode ter elevado a contaminação do mínimo. Usando novamente a linguagem técnica, com a economia aquecida, a curva de oferta é mais inclinada, o que significa que pressões de custos são mais intensamente repassadas a preços.
O fato de o setor de serviços, que absorve mais mão-de-obra, ser provavelmente o mais afetado pela política do salário mínimo é um fator agravante. Os ganhos de produtividade do setor tem se reduzido e a alta de salários é repassada mais facilmente a preços, já que o setor não é limitado pela disciplina de preços internacionais como é a indústria.
Se isso for verdade, estariam ocorrendo efeitos indesejados dos reajustes do salário mínimo sobre o equilíbrio macroeconômico e a inflação, que contaminam o crescimento econômico e os ganhos de renda da economia.
É natural que o ambiente eleitoral dificulte a discussão do tema. Algumas promessas podem parecer inofensivas no acirramento da campanha, mas podem ser bastante danosas à saúde do país, quando posteriormente cobradas e implementadas.
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