O cartão de crédito, sem incongruência, parece-me uma bênção do céu e uma desgraça do inferno. É uma bênção quando elimina os transtornos a qualquer pessoa; basta dizer que a moeda se tornou quase desnecessária, dispensável é o talão de cheques e tudo se resolve graças a essa invenção que tomou conta do mundo, exatamente por sua utilidade e facilidade.
Teria surgido por acaso. Pessoa afortunada convidou um grupo para jantar, e na hora de pagar a despesa percebeu que não tinha dinheiro algum consigo; deixou então seu cartão de visitas, com a promessa de pagar o débito no dia seguinte; o acidente mostrou que o mero cartão social podia ter valor muito além do convencional, por encontrar-se sem dinheiro algum, em razão de esquecimento, ou outro motivo qualquer.
Desse modo, o acidente ocorrido passou a ser empregado pelo sistema financeiro e em pouco tempo deu volta ao mundo. Virou prática regular e não conhece fronteiras.
Mas, por ser fácil, e irresistível seu uso, aqui e além, independentemente de hemisfério ou paralelo, tornou-se universal; e por isso ensejou situações escabrosas, pois quem pôs o pé na esteira da perdição dela não sairia mais.
Por isto, quando me oferecem um cartão de crédito, costumo dizer que ele se oferta a inimigo, e não a amigo…
Ocupo-me hoje deste assunto, quando leio que é recorde o endividamento por via de cartão de crédito; em junho, a dívida acumulada chegou a R$ 26,5 bilhões, acrescida de R$ 14,6 bilhões em julho.
Desnecessário dizer que mais de 90% desses devedores são de classe média e baixa, razão pela qual, tendo caído em inadimplência, não têm como dela libertar-se e, ao contrário, a dependência se torna cada vez maior.
Se não estou em erro, o Banco Central tem poderes amplos para cuidar dessa emergência, criada e consolidada sob seus olhos; não obstante, do Banco Central não se conhece nenhuma providência idônea a impedir ou mesmo a dificultar a prática perversa.
Esse quadro clamoroso não se operou clandestinamente, mas às claras, e autoridade alguma cuidou dele, motivo por que, a meu juízo, ele deixou de ser de natureza individual e converteu-se em problema de inequívoca natureza social.
Não será por acaso que as dívidas no cartão de crédito podem ser refinanciadas em instituições financeiras, mas com um preço letal; em julho, era de 237,9% ao ano. Qualquer comentário a propósito é ocioso.
Tenho lido com insistência que as condições de vida do povo brasileiro têm melhorado. Contudo, terá sido levada em conta a impressionante taxa de endividamento que lhe pesa aos ombros? Ou esse dado danoso é deixado à margem e, por conta, ao futuro?
Ainda há a considerar que o grande endividamento não tem origem apenas nos cartões de crédito, mas deriva igualmente das facilidades e dos custos do cheque especial.
(Zero Hora, 28/09/09)
Sou mais pela idéia de benção. Nunca gastei mais do que devia por causa do cartão de crédito. Apenas, como tudo que funciona melhor, potencializa o bom e o mau uso, da mesma forma que armas e automóveis. Acho que foi isso mesmo que o nosso brilhante ex-ministro quis dizer: facilidades geram responsabilidades. Aliás, escapamos de boa graças ao susto da tal crise, porque os empréstimos miúdos consignados e fáceis, iam levando a classe pobre e média baixa para um buraco desastroso em pouco tempo. Todos felizes: o povão consumindo, o comércio sorrindo e o governo tagarelando sobre “us beneficio pros pobri”.
Crédito é bom na dose adequada. Como dizia o grande Paracelso: “a dose faz o veneno”.