A sessão legislativa do Congresso Nacional começa hoje sob uma pergunta: depois da derrota na eleição para a presidência do Senado, Renan Calheiros se tornará o Eduardo Cunha do governo Jair Bolsonaro?
Tradução: terá Renan a mesma força e a mesma capacidade política para atrapalhar os projetos de Bolsonaro que Cunha teve para arruinar os de Dilma Rousseff, depois de derrotá-la na eleição para a presidência da Câmara em 2014?
Dependerá da resposta, o êxito das reformas que exigirem mudança na Constituição, em especial a da Previdência. O governo canta vitória com Rodrigo Maia na presidência da Câmara e Davi Alcolumbre na do Senado. Daí a obter o que quer do Legislativo, a distância é enorme.
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Maia afirmou que a agenda econômica (a prioridade é a reforma da Previdência) andará mais rápido se o bolsonarismo deixar em segundo plano projetos da “agenda de costumes”, como o Escola sem Partido.
Mesmo propostas para segurança e corrupção, que o ministro da Justiça, Sérgio Moro, proporá hoje, competirão pela atenção do Parlamento com medidas do ministro da Economia, Paulo Guedes. Não há muito tempo para mostrar serviço. Errar nas prioridades será fatal.
A maior dificuldade não está na Câmara, mas no Senado. A vitória de Alcolumbre demonstrou o alto grau de demagogia, oportunismo e, acima de tudo, tensão que cerca a atual legislatura. Para a sorte do próprio Alcolumbre, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, anulou a votação que estabelecia voto aberto, em desafio ao regimento interno.
A decisão de Toffoli conferiu à presidência de Alcolumbre uma legitimidade que ela não teria, tivesse o voto sido aberto como ele insistia na véspera, quando ficou mais de cinco horas sentado, presidindo a sessão, sem nem sequer ser capaz de responder se seria candidato. O sucesso da manobra teria deixado todas as decisões da legislatura sujeitas a contestações jurídicas.
O segredo do voto existe para proteger o parlamentar de pressões em escolhas mais difíceis ou sensíveis. Nada disso impediu que senadores exibissem demagogicamente a cédula diante das câmaras, para receber curtidas e aplausos nas redes sociais. Um deles fez uma enquete entre seguidores para saber em quem votar. A medida, ao contrário do que afirmou, nada tem de democrático.
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Há uma discrepância óbvia entre os conjuntos de eleitores (que ele representa) e de seguidores ou votantes na enquete (que não necessariamente o elegeram). Na enquete, o eleito abdica da própria autonomia e do poder de representação, em nome de um mecanismo sem valor legal, sujeito a fraudes, manipulação e assédio virtual. Como fará na hora de votar medidas duras e impopulares, mas necessárias? Seguirá a pressão virtual ou a própria consciência?
Para o Senado, a maior sequela resulta da disputa entre Renan e Alcolumbre. Este chega à presidência sem experiência em articulação política, em virtude da confluência de interesses que uniu políticos tão diversos quanto seu conterrâneo Randolfe Rodrigues, a emedebista Simone Tebet, o peessedebista Tasso Jereissati e o peesselista Flávio Bolsonaro, filho do presidente da República. Todos contra Renan.
O neófito Alcolumbre, nome que cresceu sob a sombra do também neófito ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, será essencial para o andamento da agenda legislativa do Planalto. O grupo adversário saiu ferido, mas não morto.
Renan não terá, como Eduardo Cunha, o poder da presidência. Mas precisa de pouco para atrapalhar a vida de Bolsonaro, Guedes, Onyx e companhia. Não custa repetir: basta o voto de 33 senadores para fazer naufragar qualquer reforma constitucional.
Reunindo PT, PDT, PSB, PPS e Rede, há 19 na oposição. Entre MDB, PSD, PSDB e Podemos, há 38 votos que entram na categoria dos volúveis. O governo tem os 14 de DEM, PSL, PR e PRB. Mesmo os 10 votos de PROS, PP e do senador Reguffe (sem partido) não são garantidos. Para vencer o jogo, Renan precisa somar 33. Guedes e Onyx precisam chegar a 49. Quem tem mais chance?
Fonte: “G1”, 04/02/2019