Desde o incêndio na cidade gaúcha de Santa Maria, uma semana atrás, o Brasil vem acompanhando a discussão sobre a relação entre a concessão de alvarás e as condições de segurança das casas noturnas.
É uma discussão triste, sobretudo porque se dá sobre uma estatística trágica: quase 240 mortos de uma hora para outra. É como se o sacrifício de tantas vidas promissoras fosse necessário para que as autoridades passassem a fazer o que deveria ser uma rotina: verificar se os estabelecimentos trabalham dentro da lei.
O pior é que a ausência de um atestado burocrático e banal, como o alvará de funcionamento, tem sido vista pela imprensa como um fato mais relevante do que as condições reais de funcionamento das “baladas”.
O grande problema do Brasil está aí: o atestado de bons antecedentes vale mais do que a conduta do cidadão. Ninguém discute se as condições de funcionamento são satisfatórias. A existência de um documento, ainda que fajuto e conseguido à custa de propina, é mais importante do que a intenção de trabalhar dentro de padrões aceitos como corretos.
A comparação pode parecer descabida, mas não é: ao entregar ao alagoano Renan Calheiros a presidência da casa, na sexta-feira passada, os senadores da República agiram exatamente como as autoridades que, tempos atrás, deram à boate Kiss um alvará fajuto de funcionamento.
O documento, como se sabe, estava vencido desde agosto. Mas as condições de funcionamento que existiam na época em que a papelada estava em ordem não eram, naquilo que interessa, diferentes daquelas que vigoravam no dia da tragédia.
Daqui a pouco, o Senado amanhecerá com a imagem arranhada pela constatação de que Renan Calheiros não tem condições de dirigir a casa e não faltará senador querendo se eximir da responsabilidade pela escolha de Calheiros e disposto a agir de afogadilho para tirá-lo. Exatamente como fizeram em 2007.
O problema está aí: as boas condições de funcionamento (seja de uma casa noturna, seja de uma instituição como o Senado) se constroem no dia a dia. O argumento apresentado pelos defensores de Renan Calheiros, de que as acusações feitas contra ele no passado não foram comprovadas e que, na prática, nada existe contra o senador, é risível.
Até a manhã do dia 27 de janeiro, quando o país acordou com a notícia das mais de duas centenas de mortes em Santa Maria, nada havia de errado com a boate Kiss e os maus passos anteriores de seus donos não foram considerados relevantes o bastante para impedir que o estabelecimento continuasse com as portas abertas.
Depois da tragédia, não faltaram pessoas para dizer que a casa não tinha condições de funcionamento. Calheiros está com o alvará vencido, mas este não é o problema. O problema é que ele já provou que cria mais problemas do que soluções para a instituição que preside.
Fonte: Brasil Econômico, 04/01/2013
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