Tudo indica que o julgamento do impeachment de Donald Trump caminha para um rápido desfecho.
A absolvição de Trump sempre foi dada como certa. Afinal, a maioria dos senadores que irão julgá-lo pertence ao partido do presidente.
Se o resultado era sabido, por que gastar tanto tempo e energia com isso? Por que a experiente deputada democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados, que por muito tempo relutou em autorizar o início de outros pedidos de impeachment contra Trump, cedeu no caso da Ucrânia?
A resposta realista é que Pelosi simplesmente percebeu que os custos de sua inércia estavam se tornando mais altos que os riscos em autorizar as investigações. Ainda que a expectativa de remover Trump fosse baixíssima, a oportunidade de fustigá-lo tornou-se irresistível.
O argumento de Pelosi, no entanto, foi mais sofisticado. Ao extorquir o presidente da Ucrânia para prejudicar seu adversário nas próximas eleições, Trump cruzou uma linha fundamental, colocando em risco não apenas a soberania nacional, mas a própria democracia americana.
Benjamin Franklin, quando perguntado sobre qual a natureza do regime criado pela Constituição de 1787, teria respondido: “Uma República, se vocês puderem mantê-la”. Ao se colocar acima da lei, Trump impôs aos democratas o imperativo de defender a República.
O impeachment é uma velha geringonça institucional que os norte-americanos importaram dos ingleses e nós dos americanos.
Seu objetivo original era conferir ao Parlamento uma ferramenta pacífica para afastar governantes despóticos ou enlouquecidos.
Nos dias de hoje a primeira função do impeachment é deixar claro a presidentes ambiciosos que o exercício do poder, ainda que derivado da vontade popular, encontra limites na lei.
A segunda função do impeachment é desincentivar golpes ou atentados. A existência de um mecanismo institucional para desalojar legalmente um governante que abuse de seus poderes, torna ilegítimas iniciativas voltadas a interromper violentamente um mandato obtido pelo voto.
Uma terceira função do impeachment é corresponsabilizar formalmente os membros do Parlamento —e indiretamente a sociedade— pelos padrões éticos e legais que pautam o exercício do poder presidencial.
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A indignação
Se o presidente abusa de seu poder e mesmo assim uma maioria de senadores e senadoras endossa o seu comportamento, como provavelmente ocorrerá no caso de Trump, esses se tornarão corresponsáveis pela degradação do regime republicano.
No Brasil temos um presidente que não esconde sua hostilidade à democracia e aos valores constitucionais.
No exercício da Presidência, mimetiza Trump. Parece ter uma obsessão em agir em desconformidade com o decoro do cargo —o que consiste em si uma razão jurídica para impeachment.
Atenta contra a liberdade de expressão, promove uma política externa em desacordo com princípios constitucionais e nomeia auxiliares incompatíveis com as funções que lhes são determinadas pela lei, o que prejudica a implementação de direitos fundamentais.
Do apagão educacional, passando pela destruição das florestas, pelo incentivo à violência de Estado, ao ataque aos direitos dos povos indígenas e agora à sonegação de benefícios essenciais à sobrevivência dos mais pobres, o presidente se demonstra obstinado em forçar a cerca (das instituições), como se diz lá no interior.
Bolsonaro apenas se esquece de um detalhe. Diferentemente de seu ídolo, não conta com uma maioria robusta no Senado.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 1º/2/2020