A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o rito do impeachment, no final do ano passado, gerou uma forte polêmica, não apenas entre os políticos, mas também entre os diversos setores da sociedade. O que mais surpreendeu, no entanto, foi a sugestão feita pelo ministro Gilmar Mendes de que a Corte estaria passando por um processo de “cooptação”. Trata-se de uma acusação grave, pois atinge o cerne constitutivo da reputação de qualquer tribunal: sua imparcialidade.
O Judiciário é um poder destituído da “espada ou da bolsa”, como dizia Alexander Hamilton. Sua autoridade depende, sobretudo, de sua capacidade de realizar justiça com imparcialidade, integridade e eficiência. É assim que constroem sua reputação. Esse o postulado de Garoupa e Ginsburg, no recém-lançado “Judicial Reputation”. Como poucas pessoas, de fato, acompanham o que ocorre nos tribunais, cultuar uma boa reputação transforma-se em uma estratégia essencial para que juízes e tribunais conquistem respectivamente prestígio, boas condições de trabalho e autoridade.
Um dos problemas em tribunais com alta visibilidade, como a Suprema Corte norte-americana ou o nosso STF, é que os incentivos para que os magistrados busquem maximizar sua reputação (prestígio pessoal) podem entrar em conflito com os incentivos voltados à promoção da reputação da instituição
(autoridade da Corte).
Nessas circunstâncias, surge uma tendência à exacerbação dos votos divergentes, à polarização dentro da Corte, assim como a busca por atenção pública por parte de alguns magistrados. Notória a beligerância do juiz Antonin Scalia. O resultado tem sido um sensível declínio da reputação da Suprema Corte dos EUA.
Nada disso é estranho à audiência brasileira. Nos últimos anos o Supremo se tornou não apenas onipresente na nossa vida política. Foi responsivo a grande parte das demandas que lhe foram feitas. Alguns de seus magistrados se tornaram personas públicas. O que preocupa, porém, é a constatação de um forte crescimento das divergências dentro do Tribunal. As decisões por unanimidade, que constituíam a maioria dos casos até 2003, hoje não passam de 30%. Os votos que expressam essas divergências se tornaram cada vez maiores. Além disso, o tom dos confrontos também subiu. Como recentemente lembrou o ministro Sepúlveda Pertence, seus célebres duelos com o ministro Moreira Alves hoje seriam vistos como uma valsa.
Há muitas razões para a ampliação da fragmentação. Rápida mudança de composição. Casos politicamente e moralmente mais espinhosos. O televisionamento das sessões plenárias. Uma certa fragmentação do Tribunal não é necessariamente negativa, muito menos o aumento de sua transparência. Pode contribuir para uma jurisprudência mais criativa e responsiva.
O problema ocorre quando essa fragmentação se torna exacerbada, gerando um impacto negativo sobre a reputação da instituição.
Os desafios ao Supremo serão enormes neste ano. O julgamento da Lava Jato, a eventual análise da lisura do processo eleitoral de 2014, assim como do impeachment, exigirão enorme equilíbrio do Tribunal.
O reforço de sua colegialidade, respeito aos precedentes, a produção de decisões mais consensuais, além de descrição e sobriedade serão indispensáveis para enfrentar a borrasca.
Fonte: Folha de S.Paulo, 23/01/2016.
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