As expectativas do mercado para o IPCA deste ano irão para baixo de 7% em breve, enquanto as de 2017 devem ir para baixo de 5%. Em junho estavam em 7,3% e 5,5%, respectivamente. Não há mais divórcio entre a inflação e o nível de atividade: os serviços relacionados à demanda estão de fato caindo. Mesmo que o ritmo de desaceleração dos serviços seja menor do que muitos gostariam, temos a prova de que a inércia desse setor não é insensível ao estado da economia.
O choque de alimentos desfavorável dos últimos meses não teve efeitos secundários relevantes nos demais preços e vem se dissipando de maneira mais forte do que o esperado. Os preços industrializados seguem bem comportados e tendem a continuar dessa forma dada a recuperação ainda lenta da atividade e a perspectiva de uma taxa de câmbio real estável para os próximos meses. Os preços administrados passaram a ser guiados por regras mais claras, com menos discricionariedade, o que é extremamente positivo para a maior transparência das projeções do BC e consequentemente para a credibilidade da política monetária.
Expectativas para o cenário financeiro
Diante da aprovação bem sucedida no 1º turno na Câmara da PEC dos gastos, que aumenta a probabilidade do mesmo ocorrer no 2º turno e no Senado, não há como negar que a política fiscal esteja a partir de agora ajudando a política monetária na ancoragem das expectativas de inflação, ao contrário do que ocorria no governo anterior.
Nesta semana teremos muito provavelmente o primeiro corte de juros do Banco Central do governo Temer. O mercado está mais inclinado a apostar em um corte de 25 pontos básicos, mas há espaço também para um corte de 50 pb, considerando-se que o ciclo total não deve ser pequeno. Difícil saber com precisão qual será a Selic terminal, levando-se em consideração que o BC visa atingir a meta de inflação de 4,5% entre final de 2017 e final de 2018. Grande parte dos modelos apontam um espaço para a flexibilização monetária entre 300 e 450 pb. O tamanho do ciclo está relacionado diretamente à evolução de duas principais variáveis: a política fiscal e a taxa de câmbio.
Desta forma, se a reforma da Previdência conseguir inverter a expectativa de uma trajetória da dívida pública explosiva e se o cenário internacional não forçar uma alta desvalorização cambial, as chances de ancoragem das expectativas de inflação em 4,5% ou menos são grandes. Esses dois pontos, reforma fiscal e ambiente externo, são extremamente relevantes e repletos de incertezas. Dessa forma, o Banco Central estará sempre cauteloso e alerta para tais pontos, qualquer que seja o seu primeiro movimento, e tentará maximizar as chances de chegarmos a uma inflação mais baixa por um tempo mais prolongado do que visto no passado.
Alguns analistas defendem que o BC espere as expectativas de inflação de fato convergirem para um patamar mais perto de 4,5% em 2017 para iniciar o corte de juros ou que comece o ciclo de maneira extremamente vagarosa, cortando de 25 pb em 25 pb. Advogam que nos últimos anos tanto o BC quanto o mercado subestimaram a inflação, que a inércia apontada pelos modelos ainda é muito alta e que o quadro fiscal atual ainda é extremamente fraco, tendo em vista as metas de déficit primário deste ano e do ano que vem.
O problema dessa argumentação é que ela dá pouca importância aos custos de se manter uma política monetária mais restritiva do que o necessário. Não há aqui a alegação de que a retomada da atividade requer o início do afrouxamento monetário, mas sim a constatação que a demanda doméstica tem levado à desinflação em ritmo condizente com o alcance da meta em um horizonte razoável. Mas isso por si só não seria suficiente, há também a constatação de que o governo tem sido bem sucedido no avanço das medidas fiscais e que este fator é fundamental para a ancoragem das expectativas.
Reformas necessárias
Obviamente a PEC dos gastos não é a chegada ao paraíso. Não resolvemos nossos problemas fiscais apenas impondo limites aos gastos, mas tornando tais limites factíveis. Todos nós sabemos que a reforma da Previdência é fundamental para a factibilidade da PEC dos gastos e que mesmo esta pode não ser suficiente se não for muito agressiva e contemple o amplo espectro de benefícios sociais além das pensões.
Mas o fato observável até agora é que já há indícios de sucesso na aprovação da primeira reforma e a discussão sobre as mudanças nos benefícios sociais está posta. O BC e o mercado reconhecem os avanços e estarão atentos aos seus desenvolvimentos. Não há muito espaço para postergações ou desvios de uma reforma previdenciária ampla e dura, dada precariedade de nossa economia, que vem saindo vagarosamente de uma longa recessão e com desemprego muito alto.
Para que o Banco Central corte os juros com segurança é necessário que haja credibilidade e, para isso, este precisa convencer o mercado de que a inflação de 4,5% pode ser atingida em um intervalo não muito longo. É evidente que isto está acontecendo. Políticas fiscal e monetária alinhadas vêm diminuindo o “prêmio de risco” das taxas de juros de mercado e dos preços dos demais ativos financeiros. O Brasil precisa entrar em um ciclo virtuoso, onde fundamentos e expectativas se retroalimentam, ajudando a trazer de volta a sustentabilidade fiscal, o crescimento econômico e permitindo assim, a manutenção da inflação em um patamar baixo e estável.
Estamos na direção correta em uma longa caminhada. É importante reconhecer tais avanços, mas continuar cobrando avanços adicionais, sem ter a utopia de que podemos resolver problemas estruturais em poucos meses. Um país acostumado a trabalhar sem restrição orçamentária e sem pensar nas gerações futuras, não se transforma de uma hora para outra. O Brasil não pode desperdiçar esse momento em que a sociedade se mostra mais disposta a aceitar mudanças procurando propostas não factíveis, seja na política fiscal ou na política monetária. Vale o velho ditado: o ótimo é inimigo do bom.
Fonte: “Valor econômico”, 18 de outubro de 2016.
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