Já estamos em plena campanha eleitoral, embora ainda não iniciada oficialmente, e são variadas as propostas econômicas colocadas pelos candidatos em disputa.
Comenta-se sobre a necessidade de resgatar as reformas estruturais, com destaque para a política, “mãe de todas as outras”, a tributária, a previdenciária, só para ficarmos nas mais urgentes, definir a expansão das despesas públicas abaixo do crescimento do PIB, dar autonomia formal ao BACEN, não mais sujeito às vontades do governante de ocasião, e resgatar o chamado “tripé de política econômica”, dentre tantas.
Sistema de Metas de Inflação– Sobre este último, destaquemos o sistema de metas de inflação (SMI), tão “aviltado” nos últimos anos, mas essencial por servir como “direcionador das decisões dos vários agentes da economia”. Considerado uma bússola para a política monetária (foward looking), o SMI direciona e orienta os agentes em torno dos rumos da política monetária e no combate à inflação. Nos últimos anos, no entanto, pela adoção de uma política econômica alternativa, conhecida como “nova matriz macro”, em que estímulos ao crescimento foram mais importantes do que o controle da inflação, acabou “meio de lado”. O centro da meta, de 4,5%, foi ignorado e o perseguido (mesmo que informalmente) passou a ser 5,5%.
Desde o primeiro trimestre do ano passado, no entanto, diante do desgaste que o abandono do SMI representou para a política econômica, o BACEN voltou a resgatar o sistema anterior, elevando o juro em maio de 2013, de 7,25% para 11% recentemente. Agora, a autoridade monetária persegue a meta de 4,5% para 2016/17.
Algumas observações teóricas– A definição de regras de política econômica é essencial para o bom curso da economia, tanto no curto como no longo prazo. Nos anos 60, o Prêmio Nobel de Economia, Milton Friedman, chegou à conclusão, naquela época, de que uma política monetária, para ser crível, deveria ser definida por um sistema de metas monetárias fixas. Segundo ele, a autoridade monetária deveria ter como meta a taxa de crescimento de um agregado monetário, que seria fixa (Friedman advogava que a taxa deveria ser sempre constante, igual à taxa de crescimento real estimada) e baseada numa demanda por moeda estável. Esta tese não prosperou, pelos vários choques exógenos ocorridos na economia global nos anos 70, como os do petróleo em 1973 e 1979, mas a idéia da definição de regras estáveis, críveis e previsíveis no tempo prosperou e se consolidou.
Era pré-condição na época a adoção de políticas econômicas que tivessem eficácia no combate aos desequilíbrios das chamadas variáveis reais no curto prazo (emprego, produção, etc), sendo importante a definição de regras para monitorar e combater as nominais no longo prazo (inflação, câmbio, etc). Sendo assim, as ações de política monetária, no combate à inflação, constantes no curto prazo, só teriam eficácia ao longo do tempo. Reforçou-se daí, a definição de regras estáveis no longo prazo, estipuladas por ações executadas pelo BACEN. O SMI, por exemplo, deve ser monitorado a todo momento, através das ações corretivas do Copom, mas seu objetivo único é atingir as metas fixadas (e anunciadas) para os próximos anos, no caso brasileiro, definidas no centro em 4,5%. O Copom faz uma análise macro da evolução recente das perspectivas das economias brasileira e internacional e depois delibera a política de juros.
Para o economista Fernando Cardim, “o regime de metas de inflação tem como característica o reconhecimento explícito de que o objetivo de política monetária é a manutenção da taxa de inflação baixa e estável”. Na prática, o Conselho Monetário Nacional e o BACEN passam a definir a meta de inflação, seu centro e o intervalo de variação, no nosso caso, em dois pontos para cima ou para baixo (ou menos) num determinado período. O instrumento clássico usado no seu balizamento é a taxa de juros de curto prazo, definido, como todos sabemos a cada reunião do Copom.
Propostas de mudança do SMI. Voltando ao presente, algumas propostas de mudança do SMI merecem análise.
Redução do centro da meta (e dos intervalos)– Uma delas é definir a redução do centro da meta para os próximos anos. Atualmente, o centro está em 4,5% e fala-se em reduzi-lo em 2017 a 4% e em 2019 a 3%. Achamos que esta meta deve ser gradualista, no sentido de mitigar o trade-off entre desemprego e inflação (Curva de Philipis, 1968), e perseguida no longo prazo, sendo importante que outras variáveis sejam ajustadas, em paralelo, como a gestão fiscal, reduzindo as pressões do BACEN no controle da demanda agregada, assim como sejam definidas regras macro críveis e estáveis, com menos intervenções e mais clareza e transparência. Dado o risco sobre o ritmo da economia e a gestão fiscal, já que o centro da meta menor significa juro mais alto no curto prazo, impactando nestas variáveis, é essencial que o BACEN mire um centro menor num horizonte de tempo bem mais longo, segundo o economista José Oreiro, da UFRJ, “até que as expectativas dos agentes e os contratos (de trabalho) tenham se ajustado plenamente a um patamar inflacionário mais baixo”. Busca-se, então, disciplinar mais a política econômica em complemento e em sintonia a outras adotadas.
Fim do índice cheio e substituição pelo núcleo– Outra se relaciona ao fim do sistema de meta de índices cheios substituído pelos núcleos. Sobre esta, não concordamos. A inflação tem variadas causas, podendo ser temporária, permanente (e resistente), dada a indexação da nossa economia, gerada por choques de oferta, etc. O que se tem que fazer é desmontar gradualmente os mecanismos de indexação da economia, numa maior coordenação entre as várias políticas econômicas, com destaque para a fiscal. Devemos olhar com clareza as metas e desafios da política econômica, mas estas devem ser definidas antecipadamentes, devendo ser permanentes e respeitadas, não sujeitas a negociações oportunistas ou ajustes constantes. Além disto, há dúvidas se a sociedade compreenderia o sistema de núcleos, o que acabaria por minar sua credibilidade.
No passado– Olhando para trás, o SMI no Brasil foi adotado em 1999, com o centro da meta estabelecido em 8%, variando em dois pontos para cima e para baixo (6 a 10%); no ano seguinte, foi reduzido a 6% e em 2001 recuou a 4%. Em 06/2002 recuou a 3,5%, em 2003 a 3,25%, mas superado o desgaste das eleições e o racionamento, retornou a 4% neste mesmo ano, indo a 5,5% depois da posse do Lula (mar2003). Desde este ano, com o governo do PT assumindo e tentando reconquistar a credibilidade dos mercados, foi definido em 4,5%, com o intervalos de dois pontos e meio para cima e para baixo, definido entre 2002 e 2003 e reduzido a dois pontos a partir de 6/2004.
Atualmente– A inflação, pelo IPCA, flutua acima de 6%, num claro sinal de resistência, dados os variados mecanismos de indexação existentes na economia. Em abril recuou a 0,67%, mas em 12 meses se manteve acima de 6% (6,28%). Nos próximos meses deve se aproximar de 6,5% em alguns, sendo incerto se irá superar até o final deste ano (ver gráfico ao fim). Neste contexto, pelas regras do BACEN no SMI, o juro teria que ser elevado. Atualmente, está em 11%, mas, tecnicamente, deveria ir a 12% ao fim deste ano e 13% em 2015.
Não acreditamos, no entanto, nos ajustes com esta intensidade, dados os sinais emitidos pelo BACEN, a proximidade das eleições e o recuo da inflação em abril/maio. A Focus, por exemplo, vislumbra 11,25% neste ano, com o Top 5 prevendo 11,8% e esta Consultoria 11,5%, indo a 12,5% em 2015. Nos próximos meses, atenção para os serviços, já “rodando” acima de 8%, mas devendo chegar a 10% com a Copa do Mundo (hotéis, alimentos fora, serviços de turismo, etc), choques não antecipados e necessidade de reajustes dos preços administrados. Segundo Nelson Barbosa, ex-secretário do governo, a energia elétrica deve ser reajustada em 15% em 2015, elevando a inflação a mais de 7,5%. Acreditamos, no entanto, que estes reajustes dos preços administrados serão escalonados nos próximos anos, visando diluir seu impacto.
Concluindo– Não resta dúvida, portanto, que a inflação segue no radar dos agentes e seu combate será essencial para a definição dos rumos da campanha eleitoral neste ano e na governabilidade dos próximos (não importa quem seja eleito). Sendo assim, será importante resgatar a credibilidade do SMI para o próximo quadriênio.
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