As dificuldades enfrentadas pelo governo em aprovar no Congresso Nacional as medidas de austeridade fiscal foram muito grandes, com revezes que comprometeram o resultado final. Em parte, esse quadro pode ser reflexo da pouca compreensão do quanto os desequilíbrios fiscais comprometem o crescimento do país, enquanto o governo falha na comunicação. A agenda fiscal não acabou. Novos capítulos virão.
Nos últimos anos, o regime fiscal tornou-se fator desestabilizador da economia pelos seus excessos, distorções, má alocação de recursos e opacidade. Provavelmente, a expansão fiscal promovida até 2014, ao contrário do esperado, tornou-se contraproducente, mais atrapalhando do que ajudando o crescimento. Remédio em excesso virou veneno.
A inflação teimosa de serviços e salários, que é em boa parte fruto do desequilíbrio fiscal crescente dos últimos anos, tem sido bastante prejudicial ao setor produtivo, ao comprometer a competitividade e as margens das empresas. A indústria está estagnada há anos e não recuperou o patamar pré-crise de 2008, apesar de tantos estímulos concedidos.
[su_quote]A agenda fiscal não acabou. Novos capítulos virão[/su_quote]
Ao contrário da crença de muitos, a crise econômica não começou agora e não é fruto da agenda de aperto fiscal, mas, sim, de erros na condução da política econômica no passado que, acumulados, agora cobram seu preço mais claramente. O ajuste não é o responsável pela crise, mas, sim, parte central da solução.
Sem a queda tempestiva da inflação, a indústria não vai crescer e a economia continuará, na melhor das hipóteses, andando de lado por um bom tempo. O ajuste fiscal é precondição para a volta do crescimento, mas não parece haver clareza sobre isso. E ele precisa ser forte o suficiente para que o combate à inflação dependa menos da alta de juros pelo Banco Central.
Não fosse a reorientação da agenda econômica, o Brasil provavelmente estaria vivendo uma crise ainda mais séria e aguda. Não se trata apenas de manter o grau de investimento, mas de restabelecer o equilíbrio macroeconômico.
As medidas fiscais têm sido debatidas no Congresso, o que é saudável para a democracia. Mas causa preocupação o foco no curto prazo. A divergência de visões não tem sido canalizada para o aprimoramento das medidas. Ao contrário, o que se observa é a eliminação ou desvirtuação das mesmas, como foi o caso da MP 664, que agora embute uma fragilização do fator previdenciário, sem proposta alternativa para conter o desequilíbrio crescente da Previdência Social.
O Congresso ganhou maior protagonismo. Mas isso não parece ter significado assumir novas e importantes responsabilidades, sobretudo quanto à saúde da macroeconomia, bem como a construção de uma agenda de longo prazo de reformas estruturais e de avanços institucionais.
O Legislativo sempre jogou papel importante no desenho de reformas estruturais. Segundo José Roberto Afonso, exemplo disso foi tomar a iniciativa e aprimorar a proposta que culminou na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de 2000, peça central para melhorar o regime fiscal do país.
O especialista, que teve importante papel na criação da LRF, relata o processo que levou à criação da lei, cujo gatilho foi a Constituição de 1988, que determinou que uma lei complementar dispusesse sobre as normas das finanças públicas para todas as esferas de governo.
Passados dez anos, em 1998, o Congresso estabeleceu prazo de seis meses para o Executivo enviar o projeto de lei complementar para regulamentar aquela disposição. O Executivo enviou projeto para reformular e reforçar o regime fiscal, com esforço de negociação e consulta popular antes de seu envio ao Congresso meses depois.
Mais uma vez, papel importante do Legislativo, que negociou mudanças com o Executivo. O projeto do governo foi aprimorado na Câmara, com alterações que reforçaram a austeridade fiscal. O projeto foi aprovado em apenas nove meses e com quórum de emenda constitucional.
Assim como em crises passadas, é importante a ação do Executivo para pautar a agenda legislativa e que o protagonismo do Congresso se traduza em esforços para aperfeiçoamento do regime fiscal, nosso calcanhar de aquiles, como para reduzir a rigidez orçamentária e preparar o país para os desafios de uma sociedade que envelhece, com avaliação crítica de custos e benefícios das políticas públicas.
Que a desejável concorrência na política possa abrir espaço para a renovação da agenda econômica, que seja responsável e de longo prazo, afastando decisões populistas de curto prazo.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 29/5/2015
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