O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) criou um artifício que pode aumentar em até R$ 11 mil o salário dos procuradores da República, a partir de uma “recomendação” do órgão, conceito este subjetivo e ineficiente. Agora, procuradores ganharam o direito de receber até 33% a mais para exercer as funções pelas quais foram contratados, com base na estupefata justificativa de que estão sobrecarregados. Ora, e qual classe brasileira de trabalhadores sérios não está? Da forma aprovada pelo CNMP, o benefício pode ultrapassar inclusive os R$ 39 mil pagos aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o que em “tempos normais” do Direito é um ato inconstitucional.
A decisão, bancada e assinada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, foi aprovada em maio e começa a valer agora. O mesmo procurador que poderia ter a sua adjetivação muito bem enquadrada no quesito “protetor-geral da República”, mas que evitamos assim tipificá-lo pelo bem que orienta a norma da boa cautela e da educação diplomática.
Ministros do Supremo condenaram, nos bastidores, a criação do mecanismo utilizado pelo CNMP com base apenas no quesito “acúmulo de processos”. Segundo eles, uma coisa é um juiz responder por duas ou mais varas para cobrir colegas em férias, e outra coisa é acumular ação na própria vara. Para os ministros, isso pode, na prática, se tornar um incentivo ao acúmulo de processos e não a necessária celeridade que o país precisa dar ao poder judiciário.
Embora as justificativas sejam várias e pautas por enrolação, e não por tecnicidade, na essência da decisão podemos aferir o descumprimento do princípio da moralidade, uma vez que os funcionários do Judiciário e do Ministério Público têm mecanismos para aumentar os próprios salários, e isso não acontece com o restante das camadas do funcionalismo público brasileiro, e muito menos com trabalhadores dos mais diversos segmentos da iniciativa privada.
Um projeto de lei em tramitação no Congresso busca restringir a criação desse tipo de instrumento que gera os chamados “supersalários” no funcionalismo público. Fato é que o Senado precisa agir urgentemente e cortar essas brechas da elite do funcionalismo imediatamente. Não vivemos tempos em que a responsabilidade fiscal é opcional. Ao contrário, não é possível que, enquanto o Brasil sofre com dez milhões de desempregados, cerca de 25 mil servidores custem mais de R$ 2 bilhões aos cofres públicos, anualmente.
Turbinar os contracheques dos procuradores é um tiro no pé do país que tem outras emergências prioritárias, em diferentes temáticas. O ato é assinado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, não é caso de vida ou morte no retrato atual do Brasil – nem de longe. É hora do Congresso Nacional mostrar a que veio. Optarão pelo caminho da omissão ou da atuação firme? Sinto-me, honestamente, incapaz de colocar a mão no fogo pelos parlamentares das atuais legislaturas de Câmara e Senado. Já passou da hora de mostrarem respeito pelos pagadores de impostos, aqueles que infelizmente sustentam a farra de Brasília. É preciso acabar com esta festa bancada com dinheiro público.