Prover estabilidade macroeconômica – inflação controlada, taxa de juros básica baixa, câmbio menos volátil e, assim, ciclo econômico mais suave – é responsabilidade da União. Não é tarefa simples pois, por um lado, a sociedade pune presidentes que geram instabilidade, mas, por outro, demanda gastos públicos enquanto desconhece o quanto a estabilidade depende da disciplina fiscal.
Decisões tomadas pelos demais Poderes aumentam o fardo da União. Despesas são criadas e receitas suprimidas pelo Judiciário e Legislativo, sem qualquer ônus aos mesmos. Na bondade com o chapéu alheio, a corda acaba estourando no Executivo, sendo que o desrespeito às regras que regem o orçamento federal – regra de ouro, Lei de Responsabilidade Fiscal e regra do teto – é passível de enquadramento como crime fiscal, ameaçando o mandato presidencial.
Um passo foi dado em 2016 para, ao menos, reforçar a disciplina fiscal desses poderes. A partir de 2020, Judiciário, Legislativo, Ministério Público e Defensoria Pública terão de se enquadrar na regra do teto. Seus gastos não poderão crescer além da inflação. No caso de descumprimento, o órgão não poderá conceder vantagem, aumento e reajuste de remuneração de seus membros e servidores.
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Outra inovação veio na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2018, que estabeleceu que “proposições legislativas e as suas emendas (…) que, direta ou indiretamente, importem ou autorizem diminuição de receita ou aumento de despesa da União, deverão estar acompanhadas de estimativas desses efeitos”.
Já o cumprimento das metas orçamentárias continua sendo responsabilidade exclusiva do Executivo. Havendo, por exemplo, uma frustração de receita, o custo do ajuste recai sobre ele apenas.
O conflito entre Executivo e Legislativo é tema recorrente, principalmente em países com regime presidencialista. No parlamentarismo, as ações entre esses poderes são mais cooperativas, reforçando a disciplina fiscal.
O sistema político brasileiro alimenta ainda mais o viés ativista do legislativo e a indisciplina fiscal. A elevada fragmentação do Congresso e a falta de disciplina partidária estimulam decisões individuais de legisladores.
Daí a importância de regras que, respeitando a independência dos Poderes, limitem seu poder discricionário. As regras atuais disciplinam a ação do Executivo, mas nem tanto a dos demais.
Os problemas de coordenação não terminam aqui. Estados e municípios são responsáveis por prover serviços públicos, como saúde e educação, mas não são devidamente responsabilizados por suas decisões.
A Lei de Responsabilidade Fiscal não tem sido plenamente aplicada, em boa medida por ação do STF. Um exemplo é não validar a possibilidade de redução temporária de jornada de trabalho com a redução dos vencimentos nos Estados que não cumprem os limites para gastos com a folha – a realidade da maioria.
O STF também prejudica a disciplina fiscal ao autorizar, por meio de liminares, que Estados não honrem suas dívidas junto à União.
A crise atual exacerba essas tensões. O socorro a Estados e municípios totalizando R$120 bilhões (metade decorre de liminares do STF) e com contrapartidas tímidas (apenas o não reajuste de salários por dois anos, um esforço modesto a julgar pelas atuais expectativas inflacionárias) reflete a dificuldade de ações cooperativas em prol da disciplina fiscal.
Para muitos, é dever da União socorrer os entes subnacionais em situação de crise, devido à sua capacidade de endividamento. Na discussão sobre a reforma do pacto federativo, será necessário rever esse ponto. Estados e grandes cidades poderiam ter seu “tesouro direto”, mas sem garantias e aval da União.
O desenho atual não tem dado certo, pois os Estados gastam na bonança e, na crise, tentam passar a fatura para a União, deixando de enfrentar seus problemas fiscais estruturais.
Com a dívida pública crescendo em ritmo explosivo, será crucial discutir como aprimorar o arcabouço institucional que, direta ou indiretamente, rege os orçamentos públicos, com vistas à disciplina fiscal.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 28/5/2020