Por Armínio Fraga
Com frequência se diz por aí que nunca se viu situação econômica tão ruim quanto a atual. Discordo. Entre 1982 e 1993, a “década perdida” do caos da hiperinflação e da moratória externa, o Brasil amargou queda na renda por pessoa de cerca de 1% ao ano!
Mas o Brasil vive hoje, sim, uma crise grave, que escancara as consequências do modelo político e econômico atual.
Esse modelo se caracteriza pela captura, pelo agigantamento, pela incompetência e falência do Estado. Captura por interesses partidários e privados, que sem nenhum escrúpulo montaram não um, mas dois enormes esquemas de corrupção voltados para sua preservação no poder e enriquecimento pessoal. Agigantamento porque o gasto público se aproxima de 40% do PIB, um número elevado, especialmente para um país de renda média. Incompetência, por não entregar os serviços de qualidade que a sociedade demanda, apesar dos recursos despendidos. E falência pela perda da disciplina fiscal, fator que pesou na recente perda do grau de investimento, com destaque para a admissão pelo próprio governo de sua incapacidade de manter um superávit primário capaz de evitar a explosão da dívida pública.
[su_quote]Esta crise requer tratamento proporcional ao seu tamanho[/su_quote]
Estamos em maus lençóis, pois não há na História caso de país que se tenha desenvolvido plenamente sem um Estado decente, eficaz e solvente.
Outras características do atual modelo econômico incluem elevado grau de dirigismo, claro desprezo pela eficiência em geral, e pelo mercado em particular, relativo isolamento do mundo, má alocação do capital (em boa parte feita pelos bancos públicos), políticas setoriais mal desenhadas, um sistema tributário complexo, que distorce e encarece a atividade empresarial, e um aparato regulatório desprestigiado e em alguns casos mal tripulado. Não surpreendentemente, a produtividade da economia vem sofrendo bastante.
As consequências disso tudo, em boa parte previsíveis, estão aí, visíveis a olho nu: juros estratosféricos, incerteza elevada, baixo investimento (especialmente em infraestrutura), profunda recessão e, o que é pior, uma economia incapaz de crescer. Os impactos sociais já se fazem sentir e tendem a se agravar. A esta altura não se pode descartar a hipótese de que o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff seja o início de uma nova década perdida.
Esta crise requer tratamento proporcional ao seu tamanho. Isso não tem sido possível em razão de barreiras ideológicas e de incompetência, além das naturais dificuldades de um governo corrigir algo feito por si mesmo, e da crise política, que deve perdurar.
Não surpreende, portanto, que a atual resposta à crise não venha obtendo bons resultados, limitando-se, na prática, a alguma austeridade fiscal, ao aperto monetário (posto que a inflação está há tempo bem acima da meta), à liberação de preços e ao anúncio de algumas boas reformas, no geral não implantadas. Ao mesmo tempo, medidas irresponsáveis do ponto de vista fiscal vêm sendo aprovadas, como o Plano Nacional de Educação (tema crucial, solução inadequada) e a revogação do fator previdenciário. Ademais, a queda nos preços das exportações e as paralisantes implicações de curto prazo da mais do que bem-vinda Lava Jato agravam ainda mais o quadro.
Com o intuito de ajudar a mapear os desafios no campo econômico, e sem ilusões quanto à superior importância da política em fazer as opções certas e conduzir o processo, listo abaixo dois conjuntos de respostas à crise. Se posto em prática, o primeiro sinalizaria o entendimento do Executivo e do Legislativo quanto à gravidade da situação. O segundo lista algumas questões mais fundamentais para que o Brasil volte a crescer e se desenvolver. As dificuldades de se efetuar um ajuste fiscal rápido são bem conhecidas: recessão, rigidez do gasto e a já elevada carga tributária.
Acredito que uma forma de ganhar tempo e afetar positivamente as expectativas seria compensar um inevitável gradualismo no ajuste com medidas que afetem positivamente a solvência do país no longo prazo. Outro campo fértil é o lado da produtividade, de natureza mais microeconômica, que merece bem mais espaço do que tenho aqui hoje.
Medidas emergenciais:
– Metas de saldo primário de 1%, 2% e 3% do PIB para os próximos três anos, baseadas em premissas realistas e em receitas recorrentes (as metas atuais não estão sendo cumpridas e de qualquer forma são insuficientes).
– Aprovação da idade mínima de 65 anos para a aposentadoria de homens e mulheres (para gerações futuras) e reaprovação do fator previdenciário.
-Desvinculação do piso da Previdência do salário mínimo (a vinculação é cara e regressiva).
– Introdução de um limite para a dívida bruta do governo federal como proporção do PIB.
-Reforma do PIS/Cofins e do ICMS já proposta, acrescida da unificação e simplificação das regras do ICMS (por muitas razões, inclusive a integração interna do país).
– Mudança das regras trabalhistas também na mesa (em que o negociado se sobrepõe à lei).
– Aumento da integração do Brasil ao mundo (um primeiro passo seria transformar o Mercosul em zona de livre-comércio).
Sem algo nessa linha a crise deve se aprofundar e alongar.
Medidas mais fundamentais relativas ao Estado:
-Discussão sobre o tamanho e as prioridades do Estado (requer limite ao crescimento do gasto, o que, por sua vez, demanda as reformas abaixo).
-Fim de todas as vinculações e adoção de um Orçamento base zero (sem prejuízo de espaços plurianuais, nunca permanentes).
– Meritocracia e a boa gestão no setor público.
-Revisão da cobertura da estabilidade do emprego no setor público.
-Revisão do capítulo econômico da Constituição (adotar a economia de mercado. Qualquer interferência do Estado deverá ser justificada e seus resultados posteriormente avaliados).
Sem algo nessa linha o Brasil dificilmente se desenvolverá plenamente.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 13/9/2015
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