Durante longo tempo acreditou-se, nos Estados Unidos, que o declínio de seu setor industrial era inevitável e, até mesmo, saudável. Interpretava-se esse retraimento como uma evolução natural rumo ao crescimento e sofisticação do setor serviços, deixando para o resto do mundo o encargo “inferior” de produzir parcela substancial de bens manufaturados.
Agora, para surpresa geral, constata-se um processo de renascimento industrial nos EUA, voltado tanto para o mercado interno quanto externo. E é também surpreendente como os americanos estão encantados com essa novidade.
Inúmeros são os exemplos concretos. Várias empresas americanas que há muito tempo operam no exterior, entre elas Caterpillar, GE e Ford, estão transferindo para casa algumas de suas unidades. Em fevereiro de 2012, o Boston Consulting Group informou que 37% das indústrias americanas com vendas superiores a US$ 1 bilhão declararam-se dispostas a realocar para os EUA certas operações efetuadas na China.
Nissan, Honda e Toyota vêm ampliando suas unidades em solo americano, inclusive com o objetivo de expandir as exportações desde os EUA. Em 2008, Ikea abriu uma fábrica de móveis no estado da Virginia, diminuindo as importações oriundas da Europa. A europeia Airbus construirá uma planta em Alabama. Até mesmo os chineses estão se instalando nos EUA: a Lenovo, sediada em Pequim, abriu em janeiro uma linha de produção/montagem de computadores na Carolina do Norte.
Qual a racionalidade desse movimento? A resposta repousa em vários fatores. O mais evidente é a elevação salarial em curso na China. Embora ainda seja mais barato produzir nesse país, chegou-se a um ponto onde tornou-se possível compensar o baixo custo da mão de obra chinesa reduzindo-se outros gastos, tais como transporte, por meio da aproximação com o mercado consumidor. Outro motivo para uma empresa americana preferir voltar para casa é a melhoria na qualidade de produção e no resguardo de sua tecnologia.
Ademais, verifica-se nos EUA um declínio salarial no setor secundário, induzindo a vinda de fábricas do Japão, Europa e México. Esse declínio decorre, principalmente: a) da avançadíssima tecnologia embutida nos recentes investimentos, diminuindo a demanda por mão de obra; b) do enfraquecimento das organizações sindicais.
Outro fator que explica o reerguimento industrial nos EUA é a expansão da oferta interna de gás natural. O barateamento dessa fonte energética seduz aqueles segmentos produtivos que a demandam intensamente, qualquer que seja seu país de origem.
Apesar desses acontecimentos representarem um promissor alento à economia americana, deve-se encarar com moderação seus impactos sociais e sobre a incidência de crises recessivas. Levando em conta que a ênfase dos novos investimentos concentra-se na inovação tecnológica, o que é correto, e não na geração de emprego, a decolagem industrial não contribuirá, por si só, para sanar persistentes vulnerabilidades da nação americana.
Até agora, o efeito sobre o emprego tem sido modesto. Desde janeiro 2010 até abril 2013, foram efetuadas 520 mil contratações no setor, das quais 50 mil se devem a indústrias vindas do exterior, de acordo com o “Reshoring Initiative Group”. Trata-se de um número respeitável, mas pálido ao lado dos 6 milhões de empregos industriais que o “Bureau of Labor Statistic” revelou terem desaparecido, entre 2000 e 2009. Como a quase totalidade dos contratados desde 2009 é constituída de não-sindicalizados, os salários degradaram-se, encolhendo sua participação na renda interna para o mais baixo nível desde a Segunda Guerra Mundial.
Os EUA possuem 11,9 milhões de empregados industriais e, segundo os especialistas, não haverá um retorno aos níveis dos anos 90, quando havia em torno de 17 milhões. Na década de 80 esse número era de 19 milhões.
Por outro lado, de acordo com o “Pew Research Center”, durante os dois primeiros anos após o pesadelo recessivo, 2010 e 2011, a renda real média dos 7% mais ricos da população subiu em 28%, enquanto a dos restantes 93% declinou em 4%. Portanto, a recuperação econômica acelerou a tendência, verificada há várias décadas, de aumento da desigualdade social, o que conspira contra a sustentabilidade dessa recuperação.
Levando em conta que o setor industrial ocupa 12% do PIB, tampouco pode-se nutrir expectativa de que seu bem vindo dinamismo vá impulsionar, de forma espetacular, o crescimento da economia como um todo. Não há dúvidas quanto aos benefícios sobre os demais setores, mas ainda é cedo para mensura-los.
Em decorrência da realidade acima descrita, a decolagem do setor industrial não vem contribuindo para amenizar duas das mais dramáticas vulnerabilidades dos EUA: o agravamento da inequidade social e a dificuldade em alcançar taxas elevadas de crescimento do PIB, fenômenos, aliás, interligados. A conclusão que por ora podemos chegar é de que a prosperidade industrial constitui uma fato alentador, mas não amplia a resistência da economia a ondas recessivas.
Fonte: Valor Econômico, 20/05/2013
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