Mudanças à vista
Nesse momento de mudança de governo, os sinais estão na direção do abandono das políticas intervencionistas e populistas para a adoção de medidas pró-mercado, com o intuito de atrair investidores de qualidade para o segmento de infraestrutura. Nesse sentido, torna-se fundamental uma discussão sobre o papel das agências reguladoras.
Nos governos do PT, as agências foram capturadas pelo Executivo e usadas como moeda de troca com os políticos, transformando-as num braço de um governo centralizador para a execução de tarefas que, na maioria dos casos, nada tinham a ver com a sua verdadeira função. Na realidade, se confundiu a posição política dos ministérios, que precisa ser fortalecida, com a posição técnica das agências reguladoras.
Isso acabou causando uma enorme judicialização de processos que, em vez de serem resolvidos no âmbito das agências, passaram aos tribunais, o que consequentemente ampliou o risco regulatório e a insegurança jurídica. No fundo, as agências, empregadas como instrumento de um governo de cunho populista, sempre analisavam os pleitos dos investidores com desconfiança, na medida em que foram aparelhadas e transformadas numa espécie de Procon.
A missão de promover o equilíbrio entre os interesses do investidor e do consumidor foi deixada de lado. Agora, o desafio consiste em reduzir o risco regulatório e jurídico e isso passa pela adoção de medidas que deixem claro o real papel e as obrigações das agências reguladoras.
Desvio no foco de atuação das agências gerou prejuízos
Em primeiro lugar, é preciso restituir o foco de atuação original das agências. A discussão do papel das agências não pode ser encarada como a retirada de autonomia ou independência. Ao contrário, quando se limita a sua função, sua atuação se fortalece, removendo as gorduras, criando musculatura e estabelecendo condições reais para que a sociedade possa cobrar os resultados.
Ao longo do tempo, as agências passaram a exercer papéis como o de formular editais de licitação, escolher modelos de concessão e planejar políticas setoriais. Tudo isso desviou o foco da sua atuação e enfraqueceu não só seu papel como também o da própria máquina pública brasileira, provocando tomadas de decisões e interpretações por vezes equivocadas. Isso trouxe prejuízos aos investidores e aos consumidores. Do lado dos investidores, os prejuízos resultaram de decisões que culminaram em um desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos, obrigando os concessionários a buscar a defesa de seus interesses na justiça. Pelo lado dos consumidores, esses desequilíbrios nos contratos causaram a perda de qualidade no serviço prestado pela concessionária.
O papel principal das agências é zelar pelo contrato de concessão. Essencialmente, as agências exercem o papel de fiador entre o poder concedente e o concessionário. Os direitos do consumidor devem estar contidos nos deveres do concessionário, estabelecidos no contrato de concessão. Na medida em que as agências passam a ser responsáveis por formular os editais e contratos, fica difícil e até constrangedor exercer com total autonomia e independência a regulação e fiscalização de possíveis pleitos dos concessionários. Por exemplo, como aceitar questionamentos dos concessionários sobre algum erro, se as regras teriam sido elaboradas pela própria agência.
Esse tipo de problema só será corrigido a partir do momento em que a elaboração do edital passar a cargo dos ministérios, responsáveis por definir a política de investimento de cada segmento da infraestrutura.
Remuneração e funcionamento das agências
Outra mudança que deveria ser implantada refere-se aos mandatos dos diretores e suas remunerações. Da mesma forma que todos vêm questionando a validade e os benefícios de reeleições para cargos no Executivo, sugerimos que, no caso das agências reguladoras, os diretores tivessem seus mandatos alongados para cinco anos, sem o direito de recondução e mantido o atual critério de fim de mandatos não coincidentes.
Quanto à remuneração, é necessário entender que ela não está de acordo com a responsabilidade nem com as obrigações assumidas quando se toma posse na diretoria da agência. O salário deveria guardar alguma relação com os pagos no mercado de atuação da agência. Não advogamos total similaridade aos do mercado, porém, não deve haver um distanciamento tão grande. Caso contrário, fica difícil atrair para a direção de uma agência profissionais cuja competência técnica seja reconhecida pelas empresas a serem reguladas e fiscalizadas.
Quanto ao funcionamento das agências, o ponto que precisa ser abordado é o modo de realização das audiências públicas, que não têm conseguido atingir o objetivo de diminuir as assimetrias de informação. Atualmente, as audiências públicas são realizadas com a agência apresentando ao mercado uma minuta de resolução sobre um determinado tema. Essa minuta é colocada no site da agência e os agentes têm um período de tempo para enviar suas sugestões. O próximo passo é uma audiência presencial na sede das agências para a discussão da minuta. Por fim, o texto definitivo da resolução é publicado pela agência.
Reivindicações do mercado são pouco consideradas
A reclamação do mercado está no fato das suas sugestões e reivindicações serem pouco consideradas pelas agências. Assim, as audiências públicas seriam um evento, como diz o ditado, para inglês ver. Portanto, a sugestão é uma inversão no processo. A agência anunciaria uma audiência pública sobre um tema, sem minuta, com um prazo para a manifestação dos agentes. Em seguida, de posse das sugestões, a agência marcaria a data da audiência para apresentar a minuta da resolução. Ao inverter o processo, a agência escreve a minuta a partir das sugestões do mercado, ao invés de apresentar um texto sem contribuições dos agentes.
Outra ideia é que as audiências públicas sejam itinerantes, ou seja, realizadas em várias cidades do Brasil. Seria uma forma de regionalizar as audiências, usando como critério a escolha da região mais afetada pela resolução em discussão.
Fonte: “Valor econômico”, 29 de novembro de 2016.
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