Durante o 1º Seminário sobre Boas Práticas nas Contratações Públicas, realizado na Câmara dos Deputados, nos dias 18 e 19 de outubro, a ex-corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Eliana Calmon afirmou que um dos principais entraves no combate à corrupção no Brasil é o excesso de burocracia na administração pública. Para ela, o excesso de normas legais, em vez de coibir acaba por facilitar a corrupção. Por esta razão, defendeu a revisão da Lei de Licitações (Lei 8.666). Segundo a ministra, o excesso de detalhamento desta lei é um dos fatores que propiciam a corrupção. O seminário foi promovido em conjunto com a Secretaria Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro.
Para o advogado e especialista do Instituto Millenium, Renato Pacca, é preciso muita cautela em relação às propostas de simplificação da lei de licitações. “Em alguns países asiáticos, como a Malásia, houve tentativas para simplificar os procedimentos das licitações públicas e a experiência não obteve êxito”, exemplifica.
Segundo Pacca, uma maior desburocratização pode, em tese, ser uma boa medida para combater a corrupção, mas a simplificação excessiva inclui riscos e pode gerar graves consequências. “As grandes corporações quase sempre conjugam interesses de diversos investidores. No setor público, o dono do empreendimento é a própria sociedade, razão pela qual não é possível imaginar uma liberdade discricionária do administrador. O Estado age de forma vinculada à lei, sem muito espaço para a falta de formalismos. E mesmo nas empresas privadas não impera a liberdade”. Pacca lembra que, atualmente, as grandes organizações vêm implantando manuais de normas e procedimentos, auditorias, práticas de gestão e regras claras que cada vez mais limitam a liberdade de seus gestores: “Na verdade, a tendência atual é “amarrar” cada vez mais o processo de compras e de contratações”, destaca.
Contratação de obras e serviços por emergência
Com respeito aos contratos emergenciais, Eliana Calmon afirmou que nos últimos anos, tem-se verificado uma proliferação deste tipo de contrato, bem como “o continuísmo de contratos com preços superfaturados pela urgência e, dessa forma, as empresas se locupletam com esses plus dados pelo governo, que desfalcam os nossos serviços”. A ex-corregedora do CNJ enfatizou que é necessário abrir mão do formalismo para facilitar a realização de licitações e evitar a assinatura de contratos emergenciais.
Na opinião de Renato Pacca, a lei pode ser flexibilizada em alguns aspectos, conferindo maior liberdade às sociedades de economia mista, por exemplo, que possuem capital em parte privado. No entanto, a questão da emergência para justificar a dispensa de licitação não será resolvida com a simplificação da lei de licitações, pois passa pela definição da origem da urgência. “A calamidade pública caracteriza a dispensa, por exemplo, mas não o simples desejo de um gestor publico em realizar uma determinada obra com rapidez. A lei é clara ao permitir a dispensa nesses casos. O mau uso que se faz da lei, por emergências fictícias criadas para justificar a dispensa de licitações, decorre de praticas fraudulentas que devem ser combatidas e punidas, e não de equívocos intrínsecos da lei”, ressalta.
Execução dos contratos: fiscalização deve ser rigorosa e contínua
Segundo a juíza, a colocação de detalhes nos editais de licitação direciona para determinadas empresas. “Isso cria um obstáculo para a formação de um contrato mais liberal a ponto de termos a inutilização de contratos, o que acaba fortalecendo os contratos emergenciais. E é nesses contratos que começa a corrupção. Eles vão sendo esticados em emergência com reavaliação no custo e leva a grande sangria do serviço público”. Na análise de Renato Pacca, os maiores problemas relacionados à lei de licitações, dizem respeito na verdade “à execução contratual, aos inúmeros termos aditivos que terminam por multiplicar o preço original da obra, e não exatamente ao processo licitatório”, destaca. Para ele, a corrupção não será combatida com a alteração no processo licitatório, mas sim com a fiscalização contínua, “com apuração rigorosa de fraudes e punição aos culpados”.
Regime diferenciado não é a melhor solução
Durante o encontro na Câmara, Eliana Calmon defendeu a aplicação do Regime Diferenciado de Contratações (RDC), adotado pelo Executivo para obras da Copa do Mundo de 2014, para Olimpíadas de 2016 e obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Pacca não concorda com a defesa da ministra quanto ao Regime Diferenciado de Contratações (RDC), adotado pelo Executivo. “A coexistência da lei de licitações e de uma lei “paralela” por si só já é incoerente. E se a ministra Eliana reclama dos contratos emergenciais, como pode ser a favor de uma legislação também emergencial, que está sendo questionada pelo Ministério Público Federal perante o Supremo Tribunal Federal?”, questiona.
Concientização dos gestores públicos e da sociedade
Outra forma de evitar a corrupção, segundo a ministra do STJ, seria investir na educação e estimular na população a valorização da coisa pública. Eliana Calmon acrescentou que é fundamental o debate sobre boas práticas no serviço público para conscientizar os gestores sobre a importância da lisura nos atos. Renato Pacca concorda com a ministra: “O investimento na educação e na conscientização de gestores públicos e da população em geral é essencial. Essa prática deveria ser contínua desde o nível mais fundamental da educação.”
De acordo com o especialista, a lei permite que qualquer cidadão apresente impugnação junto ao órgão licitante, faça representação junto ao controle interno, junto ao Tribunal de Contas, e recorra ao Poder Judiciário. “O Tribunal de Contas – provocado ou de ofício – pode requisitar documentos para exame prévio e até sustar todo o procedimento. Existem inúmeros instrumentos de controle. Falta cidadania e ela somente será exercida em sua plenitude se for precedida de investimento em educação”, ressalta.
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