Não é correto que dinheiro público ajude a mascarar a longa ditadura de Cuba, como faz a recente edição da revista “Estudos Avançados”
Por Leandro Narloch e Duda Teixeira
A expressão “estudos avançados” deveria designar discussões científicas de ponta, novas interpretações históricas e atualizações a teorias consagradas. A revista “Estudos Avançados”, da USP, costuma publicar artigos com esse perfil desde que foi criada, em 1987.
Não é o caso do número 72, nas bancas neste mês. O “Dossiê Cuba”, que compõe a maior parte da edição, apresenta estudos que são tudo, menos avançados: artigos sem nenhuma intenção científica e peças de propaganda escritas por pessoas ligadas ao governo cubano.
São ao todo 15 artigos de pesquisadores e jornalistas cubanos, e mais dois de brasileiros. Nenhum dos autores é crítico de um regime que, todos hão de concordar, desperta opiniões divergentes.
O texto mais emblemático é “A democracia em Cuba”, do ensaísta Julio César Guanche.
O autor afirma que a revolução de 1959 consagrou um “novo conceito de democracia, com o intuito de garantir o acesso à vida política ativa de grandes setores da população” e defende a manutenção do que chama de “unidade revolucionária” -a proibição imposta aos cubanos de fazer reuniões e formar partidos, jornais ou sindicatos.
Um trecho de “Ciência em Cuba: uma aposta pela soberania” lembra um vídeo institucional: “Inaugurada em Havana pelo próprio presidente Fidel Castro, a entidade conhecida pela sigla CIGB [Centro de engenharia genética e biotécnica] contribuiu de maneira excepcional para colocar Cuba entre os líderes mundiais de tão importante setor”.
Diversos textos seguem o padrão de citar Fidel no início, mencionar a situação de Cuba antes de 1959 e descrever conquistas da revolução.
O artigo “A educação em Cuba entre 1959 e 2010” não traz discussões sobre métodos de ensino ou experiências mais ou menos eficientes. Em vez disso, o autor reproduz diversas falas de Fidel Castro, incluindo até mesmo a tautologia “é necessário mudar tudo o que deva ser mudado”.
Do mesmo modo, “Um olhar para a saúde pública cubana” não tem problematização ou comparação de dados, como é praxe nos artigos da revista da USP. O autor se destina apenas a destacar supostas conquistas médicas obtidas em Cuba por causa da “vontade política do governo revolucionário”.
Não há menção à falta de remédios ou aos subornos exigidos por médicos, queixas tão frequentes entre cubanos menos comprometidos.
Quem assina o texto sobre a saúde de Cuba é o jornalista José A. de la Osa, que ensinava censura, ou melhor, ministrava a disciplina de “política informativa” da Universidade de Havana.
De acordo com ex-alunos da universidade, Osa ensinava quais eram os temas que não poderiam figurar nos jornais oficiais, como fracassos econômicos, opiniões de dissidentes e crimes chocantes.
A edição é ilustrada com fotos fornecidas pelo governo cubano. As imagens das páginas 47 e 76 são relíquias da propaganda comunista.
Trata-se de reconstituições, à la Stálin, de episódios do movimento revolucionário.
Deve ser direito de qualquer pessoa manifestar a opinião que desejar, inclusive as mais ultrapassadas. Mas se essa manifestação envolve dinheiro público, então é preciso acatar opiniões divergentes e realizar apenas as tarefas para as quais os recursos se destinam.
A revista “Estudos Avançados” funciona com fundos do governo federal e da USP, que por sua vez ganha 5% de todo o ICMS de São Paulo. São cerca de R$ 3 bilhões por ano pagos por empresas capitalistas e por cidadãos de todas as classes sociais, que vivem numa democracia com liberdade de pensamento.
Não é justo que parte desse dinheiro ajude a mascarar a mais longa ditadura do mundo atual.
Fonte: Folha de S. Paulo, 20/10/2011
Excelente artigo! Foi nisso que deu a academia brasileira rejeitar o compromisso com a objetividade científica usando o argumento marxista de que “tudo é ideologia”. Cientistas transformaram-se em militantes político-ideológicos e até partidários (Maria da Conceição Tavares, Renato Janine Ribeiro, Marilena Chaui, etc.), e publicações que deveriam ser científicas tornam-se panfletos de propaganda!!!
Parabens a vcs – vcs estao salvando este país da mediocridade stalinóide que grassa por aí. A história e a verdade, penhoradas, agradecem.
E onde estava o IEA quando ISTO foi votado, proposto? Apoiando ou redigindo o texto?
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/77070-historiador-so-com-diploma.shtml
E viva a Nomenklatura!
Historia, agora, so a “oficialmente aprovada”…