*por Leonardo Siqueira
Era um sábado, 2 outubro de 2009. Lula, ao lado do então governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, e do prefeito, Eduardo Paes, chorava de emoção. O Brasil tinha acabado de ser escolhido como sede das Olimpíadas de 2016. A cidade maravilhosa, para a surpresas de todos, tinha acabado de eliminar a poderosa Madri e a favorita Chicago.
O anúncio foi feito em 2009, sete anos atrás. Alguém que tenha estado no Rio de Janeiro naquela época e hoje volta para assistir aos Jogos Olímpicos vê uma nova cidade. Pela tradicional região do centro passa agora um moderno VLT. Onde era apenas um terreno vazio, foi construída a Vila Olímpica que dará lugar a futuras escolas e moradias. E a região portuária, que estava em decadência e degradada, passou por um projeto de revitalização e passou a se chamar Porto Maravilha.
Ao ver toda a transformação da cidade, muitos poderiam concluir que os Jogos Olímpicos foram uma dádiva para o Rio de Janeiro. Certamente existem motivos para acharmos isso. Grandes eventos esportivos parecem realmente um presente para a cidade sede. Entre os benefícios mais óbvios estão: investimento em infraestrutura, aumento do turismo, geração de empregos etc.
Para outros mais céticos, porém, a possibilidade de sediar um grande evento esportivo é visto como uma maldição. Isso porque muitos argumentam que o problema não está nas obras feitas, nas construções dos estádios, nos novos hotéis, mas no preço pago por tudo isso, na dívida adquirida e no que se deixou de construir. Muitos se perguntam, portanto: a custo de que isso foi feito? Ao decidir alocar recursos nas Olimpíadas, qual foi o preço que a cidade pagou? Os gastos estimados de R$ 40 bilhões valeram a pena?
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Uma análise da história das Olimpíadas mostra que tradicionalmente os jogos eram sediados em países desenvolvidos. A vantagem é que esses países poderiam aproveitar grande parte da infraestrutura local. Como exemplo, os Jogos Olímpicos de 1984, em Los Angeles, foram os únicos a terem lucro. Em grande parte, isso foi resultado pelo fato de que a cidade foi capaz de confiar quase que totalmente na infraestrutura já existente.
Mas o glamour e a visibilidade do maior evento do planeta fez países emergentes como China, Rússia e Brasil se sentirem atraídos. A diferença é que, ao contrário de países desenvolvidos, estes países têm a necessidade de investir enormes quantias de dinheiro para construir a infraestrutura necessária, muitas vezes praticamente do zero. Como consequência, as olimpíadas de Pequim em 2008 custaram mais de US$ 45 bilhões. Os jogos de inverno em Sochi, na Rússia, em 2014, mais de US$ 50 bilhões.
Número absolutos soltos muitas vezes não nos dão muita informação. Esse valor é alto? Baixo? Para se ter uma ideia, portanto, as Olimpíadas de Atlanta (1996) custaram R$ 3,6 bilhões, Sidney (2000) custou R$ 6,9 bilhões e os Jogos de Inverno de Salt Lake City (2002) custaram R$ 2,5 bilhões. Ou seja, os jogos mais recentes custam aproximadamente dez vezes mais que os jogos da década de 90.
Casos recentes como esse fizeram diversos governos repensar se estão realmente dispostos a sediar grandes eventos. Em 2012, o governo italiano rejeitou qualquer tentativa de Roma sediar os Jogos Olímpicos de 2020. Mais recentemente, a Suécia optou por não se candidatar à disputa dos Jogos de Inverno em 2022. Os argumentos? As cidades teriam prioridades mais importantes. A conta para organizar os jogos seria alta demais e um eventual prejuízo teria de ser coberto com dinheiro público.
Exemplos como esses mostram que não é trivial responder: sediar grandes eventos esportivos é bom para o país no longo prazo?
Emprego para quem já trabalha…
Um dos argumentos a favor dos jogos é a geração de emprego. Um estudo sobre os Jogos de Inverno de Salt Lake City (2002), mostrou um impulso de curto prazo de 7 mil empregos adicionais. No caso de Londres (2012) o benefício foi ainda maior e foram criados 48 mil empregos.
Mas isso é apenas metade da história e muitas vezes a única parte contada. Devemos olhar o efeito positivo de grandes eventos com muita cautela. No caso de Salt Lake City, o impulso nos empregos foi apenas um décimo do número prometido pelo governo. Mais do que isso, não foi observado nenhum aumento a longo prazo no emprego. Já no caso de Londres, apenas 10% dos 48 mil empregos temporários criados foram para as pessoas anteriormente desempregadas.
Ou seja, a ideia de que as Olimpíadas criam diversos empregos está muito longe de ser como contam os políticos e se não possui um efeito praticamente nulo, estão ao menos muito abaixo do que se promete. Os postos de trabalho criados pela realização de grandes eventos esportivos são muitas vezes temporários. Além disso, os postos de trabalho na maior parte vão para trabalhadores que já estão empregados.
O efeito misto no turismo
Outro fator constantemente mencionado é o aumento no turismo. Barcelona, sede das Olimpíadas em 1992, é citada como uma história de sucesso. O número de turistas na cidade subiu de 1,7 milhão de visitantes em 1991 para 7,9 milhões em 2014. Nesse período, a cidade passou de 11° para 6° destino mais popular na Europa após os Jogos de Verão.
Aqui, mais uma vez é necessário desafiar a nossa intuição que constantemente nos trai. Estudos mostram que o impacto sobre o turismo é misto. O primeiro motivo é que grandes eventos aumentam a possibilidade de atentados terroristas. O segundo é que muitas pessoas antecipam o fato de que haverá muitos turistas nessas cidades pelo período dos jogos e também os preços estarão mais elevados. Ambos os motivos contribuem para o chamado efeito substituição.
Ou seja, é bem provável que o turista normal que iria para o Rio de Janeiro em agosto deixa de ir por conta dos Jogos Olímpicos. Não há um aumento de turistas na magnitude que se fala, pois grande parte acontece pelo efeito substituição. Sydney (2000) e Vancouver (2010) observaram ligeiros aumentos no turismo. Mas Londres (2012), Pequim (2008) e Salt Lake City (2002), todos viram diminuir o turismo após os anos de sua Olimpíada.
Barcelona 1992 ou Atenas 2000?
Com esses efeitos mistos, não é surpresa, portanto, descobrir que grandes eventos protagonizam casos de sucessos e outros de fracasso. O da cidade de Barcelona é o mais famoso caso de sucesso. A cidade catalã é exemplo na organização de Jogos Olímpicos, pois soube aproveitar o mega evento ao deixar um importante legado para população local. Cerca de 80% do orçamento foi utilizado em melhorias para a cidade. A Vila Olímpica, onde moraram os atletas, foi a responsável pela revitalização do local. Barcelona vivia “de costas” para o mar e não usufruía desse benefício. Com os jogos, a famosa praia de Barceloneta foi criada, dando acesso ao mar e possibilitando a criação de um novo porto.
Do outro lado está o caso de fracasso de Atenas. Apenas dez anos depois da espetacular cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Atenas, a maioria das instalações olímpicas estão abandonadas, enquanto os gregos questionam o legado de um evento esportivo que, com exceção de dívidas, trouxe poucos benefícios à população.
Sabendo disso, o prefeito Eduardo Paes disse em uma entrevista: “Vamos dar mil voltas em Barcelona”. A dúvida é saber se o Rio será visto como o caso de Barcelona, que deixou um legado anos depois, ou se será o fracasso que foi Atenas. Infelizmente, acredito no segundo caso: basicamente por três grandes motivos.
1. Endividamento
De acordo com os valores de orçamento divulgados, o custo da Olimpíada no Rio é de mais de R$ 39 bilhões, entre investimentos públicos e privados. Mas não para por aí. Além dos custos explícitos, os “custos implícitos” também devem ser considerados. Estes incluem os custos de oportunidade da despesa pública que poderia ter sido gasta em outras prioridades. O serviço da dívida que sobra depois de sediar os Jogos e que podem demorar décadas para serem pagos. Os bilhões gastos na Grécia em dívida dos Jogos Olímpicos sem dúvida contribuíram para a sua crise econômica poucos anos depois. Montreal demorou até 2006 para pagar o último centavo de sua dívida a partir dos Jogos de 1976, e estima-se que em Sochi, em 2014, os jogos de Inverno vão custar aos contribuintes russos quase US $ 1 bilhão por ano.
2. Alocação de recursos em outras prioridades
O objetivo dos recursos para as Olimpíadas é sediar um evento, não aumentar a produtividade da economia ou atender demandas da população. Grande parte dos gastos com os Jogos Olímpicos são apenas gastos que teriam acontecido de qualquer maneira, em qualquer outra coisa.
A cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, teve que construir 15 mil novos quartos de hotéis para atender às exigências do COI em ter um mínimo de 40.000 quartos de hotel disponíveis. Não nos parece que essa seja a prioridade do Rio de Janeiro. Enquanto em Barcelona, 10% foi gasto em estruturas esportivas, no Rio de Janeiro, 27% do financiamento foi usado para construir ou reformar essas estruturas esportivas.
3. Elefantes brancos
O terceiro motivo é o dos elefantes brancos, que são mais acentuados em países emergentes, uma vez que devem construir toda a infraestrutura necessária. O Estádio Olímpico de Sydney custa aos australianos US$ 30 milhões por ano. O famoso estádio “Ninho de Pássaro” de Pequim custa US$ 10 milhões por ano para se manter operacional e é praticamente inutilizado. Quase todas as instalações construídas para os Jogos Olímpicos de Atenas em 2004 estão agora abandonadas.
Um exemplo dessa história toda pode ser resumido na novela do Maracanã. Nos últimos 10 anos ele foi reformado três vezes. Em 2005, para os jogos Pan-Americanos. Em 2013, para a Copa do Mundo e agora em 2015 para as Olimpíadas.
Qual será o legado das Olimpíadas?
Para quem se faz essa pergunta, o caso do Rio de Janeiro é um pouco mais grave, já que nos últimos 10 anos, o Rio não abrigou apenas um, mas sim quatro grandes eventos esportivos. O Pan-2007 que estava orçado em R$ 386 milhões inicialmente e custou aproximadamente R$ 4 bilhões ao final das obras. Os Jogos Mundiais Militares em 2011 que, embora desconhecido, são o terceiro maior evento esportivo do planeta e teve um custo de aproximadamente R$ 2 bilhões. A Copa do Mundo em 2014 e agora as Olimpíadas.
As Olimpíadas estão lindas. Os brasileiros estão dando show. Quem não está feliz assistindo aos jogos e ouvindo as histórias esses dias? Mas, infelizmente, é nossa função fazer a parte chata e avisar que a conta vai chegar. Caso contrário será o mesmo pão e circo de sempre…
Eduardo Paes disse que a Rio 2016 seria melhor que Barcelona. Eu, como brasileiro que sou, por gostar do meu país, gostaria de concordar com ele. Mas olhando em detalhes o caso, infelizmente, não consigo.
Referências
1 Baumann, R., Engelhardt, B., & Matheson, V. (2010). The Labor Market Effects of the Salt Lake City Winter Olympics.
2 Economic impact of the 2014 Sochi Winter Olympics
3 Are the Olympics a Golden Opportunity for Investors?
Fonte: “Terraço econômico”.
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