Depois de apontar problemas estruturais causados pela farra de cargos comissionados na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e de questionar a eficácia do funcionalismo público do estado, o Millenium Fiscaliza encerra uma série de três artigos pensados para acender uma faísca de inquietação na cabeça do cidadão fluminense: está claro que o dinheiro público no Rio de Janeiro escorre sem freios pelo ralo da ineficiência. É preciso, de uma vez por todas, que o Estado fiscalize e adote as boas práticas da governança privada na administração do dinheiro pago pelo contribuinte. Mais do que isso: passou da hora de entender que o aumento da arrecadação jamais será suficiente enquanto o mau uso de recursos continuar sendo a prática número um da máquina estatal. Os números não mentem.
Basta uma breve avaliação dos gastos com segurança pública, um dos pilares essenciais atribuídos ao Estado, para verificar a inversão de valores quando o assunto é alocação de recursos. De 2015 a 2017, passando por grave crise fiscal, o Rio reduziu em 9% o orçamento para a área de segurança; foi o corte mais duro, em números absolutos, entre todos os estados brasileiros. O segundo colocado, São Paulo, reduziu em 6%. Destaca-se, porém, que o corte fluminense não foi realizado de forma minimamente inteligente. Enquanto no mesmo período o estado de São Paulo investiu em segurança pública R$ 254 por habitante, o Rio gastou mais que o dobro, R$ 511, só que com resultados nada animadores. Em 2017, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, São Paulo registrou 10,7 mortes violentas a cada 100 mil habitantes. No Rio, mais que o triplo: 32,7 mortos a cada 100 mil habitantes.
A diferença fica ainda mais gritante quando comparados os valores investidos em informação e inteligência (essenciais para o mapeamento de facções organizadas e para evitar confrontos violentos) nos dois estados em 2017. Enquanto São Paulo destinou R$ 279 milhões para a área, o Rio investiu R$ 2,470. Isso mesmo, o estado do Rio destinou menos de três mil reais para uma área de extrema importância para a atuação da Polícia Militar. O resultado de cortes aleatórios e pouco embasados trouxe consequências perversas para os órgãos de segurança, em situação de penúria, e também para os contribuintes, cuja rotina se transforma em uma violenta onda de medo. A situação é catastrófica: em dez anos, o orçamento do Rio para a segurança passou de R$ 5,2 bilhões, em 2008, para R$ 11,5 bilhões em 2018. O problema da violência, no entanto, permanece gravíssimo.
A segurança pública é apenas um dos graves descompassos da ação estatal em relação aos anseios de quem vive no estado do Rio. A Pesquisa Orçamento Firjan-Ibope, realizada em junho do ano passado, revelou que 90% da população fluminense acreditam que a prioridade do Estado deve ser o investimento em saúde. A pesquisa contou com a participação de 1024 pessoas, em 37 municípios, que podiam responder mais de uma opção. Para 79% delas, a educação deveria ser prioridade, e 72% acreditavam que a segurança está no topo da lista. A Previdência Social foi apontada apenas por 1% dos entrevistados. A realidade, na prática, infelizmente é outra. O orçamento do estado para 2019 prevê receita líquida de 72,3 bilhões e despesas de R$ 80,3 bilhões. As prioridades do texto são despesas com salários de servidores ativos (R$ 23 bilhões); Previdência Social (R$ 22 bilhões); segurança pública (R$ 12 bilhões), educação (R$ 7,7 bilhões) e saúde (R$ 6,7 bilhões). A representação da vontade da maioria passa longe quando o assunto é dinheiro.
Fica evidente que o povo fluminense está preocupado com um Estado eficiente em suas funções básicas, para que cada indivíduo possa trabalhar e ter liberdade para fazer o que bem entender com seu próprio dinheiro. Em vez disso, lhes é empurrado goela abaixo o sustento de um cem número de servidores cuja atuação nem sempre preza pelo bom desempenho e eficácia. É importante lembrar que, no Rio de Janeiro, a diferença da remuneração dos servidores e dos celetistas é grande. De acordo com levantamento da Confederação Nacional do Comércio (CNC), a desigualdade na remuneração chega a 79,5%. Ou seja, se servidores públicos do estado, cuja transparência e prestação de contas passam longe dos olhos da sociedade, ganhassem em paridade com os funcionários contratados em regime da CLT, os recursos destinados a áreas como educação, saúde e segurança poderiam ser elevados vertiginosamente. Num cenário de gastos responsáveis norteados por eficiência, o estado do Rio poderia viver dias melhores.
É hora do cidadão fluminense entender que o liberalismo não é um bicho de sete cabeças como boa parte de uma suposta elite intelectual tentou fazer crer nas últimas décadas. O objetivo final das ideias liberais é dar ao indivíduo o entendimento de que valores como a transparência e a liberdade são fundamentais para o funcionamento saudável do Estado, seja ele representado na esfera que for. O acesso à saúde, educação e segurança, como deveres constitucionais do poder público, devem ser priorizados e dotados de eficiência e qualidade. É nisso que o dinheiro do contribuinte deve ser aplicado, bem como na manutenção eficaz e enxuta das estruturas dos três poderes. Ao cidadão, para além do voto em candidatos comprometidos com a aplicação da governança privada na gestão do que é público, cabe a participação nas audiências públicas de discussão e elaboração da Lei Orçamentária Anual. Estar representado e até mesmo presente em debates como esse é um direito constitucional regulado por leis federais, constituições estaduais e leis orgânicas municipais. O cidadão fluminense precisa acompanhar o cotidiano da política feita na Alerj, e consequentemente cobrar dos deputados uma atuação transparente. No Rio, caro leitor, não hesite em cobrar satisfações do deputado Rodrigo Amorim (PSL), presidente da Comissão de Orçamento. Fiscalizar é mais que um direito!