Tempo médio dos deslocamentos casa-trabalho é de 52 minutos
O dia ainda nem clareou e Fernanda Maria da Silva, de 39 anos, já está caminhando pelas ruas ainda vazias e escuras de Duque de Caxias, onde mora. Seu despertador toca às quatro em ponto. Ela logo se arruma, toma café e vai direto para o ponto de ônibus perto de sua casa. Às 5h20m, embarca em um trem na estação de Gramacho e divide espaço com outros milhares de trabalhadores que, assim como ela, levantam cedo, antes do alvorecer, para a labuta diária. Segue chacoalhando até a Central do Brasil. Lá, sobe novamente num ônibus e ruma para o Alto Leblon, onde trabalha como diarista três vezes por semana. A viagem de ida dura, em média, duas horas. Já a de volta é imprevisível. Depende dos congestionamentos de cada dia.
— A viagem é mais desgastante que o trabalho — afirma Fernanda Maria, com a voz cansada, após mais um dia de faxina, na última quarta-feira. — Se eu tivesse um emprego mais perto de casa seria melhor, mas o jeito é ir para lugares onde há dinheiro, não importa a distância.
Os deslocamentos casa-trabalho-casa da população estão sendo analisados por pesquisadores da Câmara Metropolitana, órgão do governo do estado responsável pela elaboração de um plano de desenvolvimento urbano para a metrópole, que deve ser enviado para aprovação na Assembleia Legislativa do Rio no segundo semestre deste ano. Dados obtidos pelo GLOBO mostram que a economia da Região Metropolitana do Rio é a que mais perde em todo o país por causa das longas viagens feitas por grande parte de seus trabalhadores. O custo do tempo que poderia ser investido em produtividade chegou a R$ 35,7 bilhões em 2014, segundo um levantamento feito pelo economista Guilherme Vianna, um dos técnicos do projeto. O valor corresponde a 8,1% do Produto Interno Bruto (PIB) da região.
Vianna considera que o tempo perdido no caminho das pessoas para o trabalho poderia ser convertido em renda. Para chegar aos números, ele utilizou a série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, e comparou os dados do tempo médio das viagens e do valor médio da hora de trabalho da população empregada em cada uma das nove principais Regiões Metropolitanas do país.
Em termos percentuais, o PIB perdido com os deslocamentos na Região Metropolitana do Rio supera as perdas de Belém (6,6%), São Paulo (6,2%), Belo Horizonte (5,2%), Salvador (5,2%), Recife (4,6), Fortaleza (4,2%), Porto Alegre (4%) e Curitiba (4%). Numa escala nacional, o Brasil perde mais de R$ 232 bilhões, o que corresponde a 2,7% de seu PIB, segundo Vianna
— Durante toda a série histórica, o Rio de Janeiro, tirando poucos anos, é sempre o pior ou segundo pior no ranking. E o quadro vem se agravando. Se a pessoa demorasse menos no trânsito, talvez ela trabalhasse a mesma coisa e fosse gastar mais com lazer. Teria tanto o ganho de bem-estar, que pode ser convertido de alguma forma em renda, quanto poderia gastar com outras coisas ou até fazer um outro negócio para ganhar dinheiro. Acaba que são os mais pobres que sofrem com os deslocamentos, mas todo mundo é atingido — afirma o economista.
O tempo médio dos deslocamentos casa-trabalho no Rio é de 52 minutos, quase o dobro dos 30 minutos considerados ideais por especialistas em mobilidade. Na Região Metropolitana de Porto Alegre, a melhor do ranking, a média das viagens é de 32 minutos. Em Fortaleza e Curitiba, são 33 minutos.
O pesquisador alerta que grande parte dos empregos no Rio está concentrada na capital, o que acaba provocando problemas na mobilidade. Na faixa que vai do Centro da cidade até a Barra, passando pela Zona Sul, estão 56% dos empregos da Região Metropolitana do Rio, contra apenas 22% da população. Somente o Centro possui 16% do total de empregos.
Pesquisador na área de Transportes da Coppe/UFRJ e integrante da equipe do Plano Metropolitano, Rômulo Orrico salienta que a pesquisa é de 2014, quando muitos do investimentos em mobilidade, como os BRTs e a Linha 4 ainda não haviam sido inaugurados. No entanto, para ele, as melhorias não trarão impactos significativos, porque a dependência de empregos na capital em quase nada mudou.
— Não é razoável Itaboraí ter Copacabana como primeira opção de emprego. É muito triste ver as pessoas perdendo tanto tempo viajando. Temos que facilitar a vida de quem anda de transporte público. A infraestrutura das cidades tem que chegar antes, não depois. A curto prazo, temos que mudar as redes locais, principalmente de ônibus. Tem que mudar para não serem meros alimentadores, trazendo gente para o Centro. Tem que fazer isso, mas tem que facilitar a vida das pessoas nos seus ambientes. Isso ajuda a dinamizar a economia local — afirmou.
Diretor-executivo da Câmara Metropolitana, o urbanista Vicente Loureiro vai além. Não cansa de repetir seu lema “é preciso mudar para melhorar, não melhorar para mudar”. Para ele, é preciso tirar a dependência da capital, gerando empregos e melhorando a infraestrutura nos outros municípios.
— O problema da mobilidade não é só de transporte. Faltam empregos, serviços, equipamentos de saúde e de educação perto das outras localidades. Não basta continuar melhorando o sistema e criando viagens de longos percursos e de longas durações, quando na verdade precisamos pensar onde vai morar o emprego? Temos que distribuir melhor as oportunidades de empregos para diminuir essa pressão na capital. Só assim teremos uma metrópole mais sustentável e equilibrada — destaca.
Moradora de Magé, a doméstica Claudenice Macedo, de 39 anos, precisa atravessar diariamente quase 30 quilômetros para chegar ao trabalho, às 7h, no Flamengo, na Zona Sul do Rio. Acorda às 3h, pega um ônibus às 5h, chega na Central do Brasil às 6h30 e, de lá, segue viagem de metrô.
— Se eu sair de casa depois das 6h ou das 7h, não consigo chegar na hora. Se tiver engarrafamento, pior é. Tem vezes que fica tudo parado. Só Deus! E agora vai começar essa obra na Avenida Brasil. Vai ser mais um transtorno para a gente — lamenta.
Para ela, os congestionamentos prejudicam a vida dos trabalhadores, tornando a rotina ainda mais cansativa.
— Não acho longe, mas o trânsito atrapalha muito a vida da gente que mora na Baixada Fluminense. Tem gente que sai 7h e só chega às 10h, às 11h, no trabalho. Nem todo patrão compreende. Para não ter aborrecimento no trabalho, saio mais cedo de casa. A rotina é cansativa. Nem todo mundo é humano e quer saber o lado dos empregados. Enquanto estão dormindo, não querem saber que estamos nos deslocando. Acham que é uma obrigação. É difícil. Já tive muitos problemas. Já me mandaram embora porque chegava tarde, sem contar a violência. No mês passado, fiquei no meio de um tiroteio na Central, dentro do ônibus, vendo polícia de um lado e bandidos do outro. É o risco que a gente passa. Mas fazer o quê? Preciso trabalhar. Seria ótimo conseguir um lugar perto da minha casa — relata.
O economista Riley Rodrigues, gerente de Estudos de Infraestrutura da Firjan e integrante da equipe de especialistas do Plano Metropolitano, utiliza outra metodologia para calcular as perdas no trânsito da Região Metropolitana e fez um levantamento de cada uma das 21 cidades. Japeri lidera no tempo gasto com deslocamentos. Os moradores de lá enfrentam, em média, 3h6min de viagem (ou 185,9 minutos) para chegar ao trabalho. Em Queimados, são 174,30 minutos e, em Nova Iguaçu, são 163,70 minutos por dia.
— Japeri tem poucos empregos. 89% da população economicamente ativa de Japeri não tem emprego formal em Japeri. Há situações em que as pessoas trabalham oito horas e gastam seis ou até oito horas se deslocando. Se a pessoa vier hoje de Japeri ou Paracambi para trabalhar na capital, vai enfrentar 54 km de trem até a Central. Se trabalhar na Barra da Tijuca, tudo bem, agora tem o metrô, só que tem mais um deslocamento de meia hora. Então, são 1h30 de trem, mais meia hora até o Jardim Oceânico. Se tiver que se deslocar até o Recreio ou Jacarepaguá, pode colocar mais 40 minutos. Só aí a pessoa já leva umas três horas. Para fazer o retorno, são mais três — exemplifica Rodrigues.
De acordo com o economista, a Região Metropolitana do Rio precisa de um reordenamento urbano.
— Temos uma má distribuição de empregos, serviços e infraestrutura. Há grandes concentrações habitacionais em um lugar e há grandes concentrações de ofertas de empregos industriais em outro lugar, de empregos no comércio em outro lugar e uma concentração de serviços em outro lugar. A solução para isso é você ter um reordenamento urbano. Por exemplo, tem que qualificar e levar gente para morar na Zona Portuária do Rio, na área administrativa da Cidade Nova. Lá, moram poucas pessoas para a grande quantidade de empregos no entorno. Há, por exemplo, uma pessoa morando para 200 empregos. Significa que as outras 199 têm que vir de fora. Resultado: engarrafamentos na Avenida Francisco Bicalho, na saída da Tijuca, na Avenida Presidente Vargas — destaca.
Fonte: jornal “O Globo”
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