Espero sinceramente que ninguém esteja chocado pelo desejo do presidente de nomear seu filho sem qualquer experiência diplomática e com inglês rudimentar para a embaixada em Washington. Nomear parentes e amigos sem qualificações profissionais era justamente um dos traços mais marcantes dos gabinetes da família Bolsonaro. Entre o pai e os filhos, foram 13 parentes contratados (ex-mulher, sogro, sogra, cunhados etc.) —sem falar nos parentes de amigos, como a filha de Fabrício Queiroz, contratada por Jair Bolsonaro quando era deputado, mas que não pisou em Brasília no tempo todo em que foi remunerada pelos cofres públicos. Não acho que isso seja motivo de escândalo; é a coisa mais comum do mundo na pequena política brasileira, da qual Bolsonaro faz parte.
O surpreendente em alguém como Bolsonaro e seus filhos é justamente o discurso revolucionário, antissistema, que ele tem reproduzido e o qual usa para defender ações fisiológicas como essa. Se a mídia critica, diz o presidente, “é sinal que a pessoa é adequada”. É a retórica do combate ao sistema sendo usada para defender o que há de mais fisiológico: nomear o filho a um cargo em que ele possa ter algum destaque, dado que, na Câmara dos Deputados, outros o têm ofuscado. O plano evidente de Eduardo é se tornar presidente.
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Esse discurso vai contra a natureza de Bolsonaro. Ele não é o líder decisivo e dado a grandes gestos. É vacilante e sempre pronto a recuar do que parecia uma decisão tomada. E o contraste entre discurso radical e realidade venal enfraquece o apoio ao presidente mesmo entre seus defensores mais aguerridos. A possível indicação do filho desceu muito mal. Assim como desce mal para a militância radicalizada ver um governo que abre as torneiras das emendas parlamentares, entra em tratados internacionais globalistas e falha na entrega de suas promessas mais simbólicas (como posse de armas).
Indeciso entre optar de vez pelo caminho revolucionário de enfrentamento das instituições (que depende da ameaça de uma ruptura que ele sabe não ter a força para levar adiante) e fazer política como sempre se fez (que lhe custaria a militância espontânea, seu único suporte), Bolsonaro fica imobilizado. Em seu lugar, o Congresso deve tomar o protagonismo.
A grande incógnita é como o presidente reagirá a um Congresso que não só neutraliza seus projetos e ações mais ousados (se sentiriam à vontade inclusive para barrar o filho embaixador e o esperado ministro do STF “terrivelmente evangélico”?) como também propõe a pauta de reformas daqui em diante. Ser a “rainha da Inglaterra” de um país que volta a crescer inclui receber os créditos da retomada. Ou então os agentes revolucionários de seu governo (entre os quais se inclui o filho Eduardo) o convencerão de que o apoio das massas está ali adormecido, só esperando o momento para atacar.
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O governo Bolsonaro começou em meio a enorme entusiasmo da população e do Congresso. Nunca tanto foi perdido em tão pouco tempo. O Congresso mais conservador da história não confia no presidente mais conservador da história. A aprovação popular segue baixa e mesmo os militantes mais fanáticos começam a duvidar da coragem do “mito” para acabar “com tudo que aí está”. O perigo de uma guinada populista eficaz (que de fato submete as instituições ao poder central) parece agora bastante controlado. O desejo que a subjaz, contudo, continuará a nos rondar por muito tempo.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 16/07/2019