Há perigos em defender o legítimo direito de preservar o sigilo das fontes. Na ficção, o filme “As faces da verdade”, de 2008, é farol e bússola a demarcar os contrastes entre a lei e a realidade da sua aplicação.
Nessa história cinematográfica, uma jornalista do fictício jornal “Sun Times” de Washington, em defesa do princípio de preservar a fonte de informação, passa mais de um ano na prisão e sofre todo tipo de constrangimento. Motivo: desafiou o governo americano e um juiz que, como justificativa para arbitrariedades que ferem a Constituição, fazem valer o argumento da segurança nacional.
No Brasil, segue-se por caminhos semelhantes. A diferença é que o argumento para pressionar a quebra de sigilo não é mais a segurança nacional, tema que a democratização baniu de cena, pelo menos por enquanto, mas, sim, o prosseguimento de processos judiciais sob segredo de justiça e inquéritos policiais, que seriam “prejudicados” pelo sigilo das fontes de informação.
Entre nós, o sigilo de fonte é assegurado pelo inciso XIV do parágrafo XV da Constituição, quando necessário ao exercício profissional. Porém, vem sendo esquecido quando comparado com outros direitos, a exemplo da inviolabilidade da honra e à vida privada, bem como a proteção à imagem. Em consequência, o direito ao sigilo das fontes jornalísticas vem sendo quebrado, inclusive o sigilo telefônico, o que coloca em risco a liberdade de expressão e de imprensa, já que preservar as fontes é um ponto cardeal da ética jornalística.
Cabe a pergunta: por que não encontrar caminhos alternativos para descobrir a origem das informações e não prejudicar o andamento dos processos, em lugar de bater de frente com a Constituição? Em que medida realmente o sigilo da fonte é prejudicial às investigações em suas diferentes etapas? Em contato com a realidade, sem repressão, o jornalismo só terá a ganhar e também a compreensão dessa profissão, cuja a alma é informar bem e rápido.
O direito à privacidade, por exemplo, muito alegado nos processos contra o jornalismo, não vive em conflito com o Estado democrático. Pelo contrário, ele só existe no Estado democrático porque o Estado autoritário não respeita a privacidade de ninguém. Nele, a “privacidade” é do Estado, não dos indivíduos. Portanto, é um falso argumento ver conflito entre privacidade e a liberdade de expressão. Ambos pertencem à democracia e precisam encontrar formas de convivência.
O equívoco se repete na questão das fontes. Qual é a razão de existir do jornalismo? Buscar a informação sigilosa. Se essa informação se encontra em segredo de justiça ou é alvo de inquérito policial, e o jornalista consegue apurá-la, desvendá-la por meio de alguma fonte, cabe a ele julgar se há interesse público ou não em jogo. Cabe ao jornalista e ao conselho editorial do veículo de imprensa avaliar os critérios de publicação, o valor da informação, sua veracidade e o interesse público em jogo. Isso já vem ocorrendo e é saudável que seja discutido. Ocorre que o risco de processos judiciais ou de prisão inibe ou penaliza o exercício da liberdade.
O filme “As faces da verdade” retrata a realidade americana em que uma emenda constitucional garante a liberdade de expressão e, consequentemente, o sigilo da fonte, mas o seu significado é de gritante atualidade: ressalta o poder excessivo do Executivo. Entre nós, o tema da liberdade de expressão e de imprensa é relativamente novo é está a exigir o repensar do poder excessivo do Estado e dos poderes em seu conjunto. Afinal, a quem cabe respeitar a Constituição não pode desrespeitá-la.
É oportuno assinalar que a Constituição Federal não protege as informações levianamente checadas ou propositadamente errôneas — o que não é incomum — e veiculadas sem qualquer compromisso com a verdade. A Constituição estabelece o “sigilo da fonte”, com o propósito de resguardar a liberdade de imprensa, o faz para garantir à sociedade a ampla divulgação dos fatos de interesse público, necessária, inclusive, a fiscalização da gestão da coisa pública e pretendendo evitar as arbitrariedades do poder público, que seriam proporcionadas pela restrição do acesso às informações.
Assim, podemos verificar que para o bom exercício da atividade de imprensa, o sigilo da fonte, além de necessário, precisa de proteção legal. Essa seria uma esquina virada não fossem as contradições no respeito à Constituição e as posições conquistadas pelo exercício da liberdade.
Pode-se dizer que a imprensa é o oxigênio da democracia e que através dela a sociedade se mobiliza e institui mecanismos de fiscalização e controle dos governantes. Tanto que a primeira vítima das ditaduras são as liberdades de expressão e de imprensa. Isso aconteceu no Brasil do passado e do presente; o que não faltam são atitudes hostis ao exercício do jornalismo. O jornalismo exercido com liberdade incomoda, instiga a ética na prática, expõe reputações. Evitar retrocessos é uma luta diária. Porque o que está em jogo é algo maior: é a própria liberdade, assegurada pela Constituição.
Fonte: Instituto Palavra Aberta, 6 de dezembro de 2016.
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