O atual governo segue ideologia de extrema direita. Sua política externa tem como premissas a ideia de que o Ocidente está em decadência, só podendo ser salvo pelos EUA de Trump; uma visão negativa do cenário internacional, com ameaças à soberania por conta do “globalismo”, do multilateralismo, do “marxismo cultural” e do ambientalismo; e a ideia de que a comunidade internacional está calcada em valores — o que, diz o governo, prejudica os interesses nacionais.
Essas premissas — verbalizadas pelo chanceler Araújo — são compartilhadas por outros atores, como o deputado Eduardo Bolsonaro. A aplicação desse ideário resultou, quando da visita presidencial ao Chile, na criação de nova entidade, a Prosul, direcionada a governos conservadores. Em Washington configurou-se decisão estratégica de alinhamento com os EUA. Em Tel Aviv e Jerusalém, consumou-se opção preferencial por Israel, em detrimento de palestinos e árabes em geral. Além das viagens presidenciais, suscitam atenção as visitas do deputado Bolsonaro ao primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, e ao vice-primeiro-ministro Matteo Salvini, na Itália. Trata-se de dois expoentes da direita na Europa. Ambos convergem com o ex-assessor de Trump Steve Bannon — que esteve com o presidente Bolsonaro em Washington — no esforço de aglutinar forças da extrema direita para contestar as democracias liberais e questionar a União Europeia.
Leia mais
Marcus André Melo: Malaise na democracia
Paulo Roberto de Almeida: Mini-reflexão sobre a crescente rejeição do Brasil nas relações internacionais
O presidente Bolsonaro elogiou as iniciativas de seu filho e adiantou a intenção de visitar a Hungria. Ele não foi eleito para implantar no Brasil regime autoritário nos moldes do húngaro. A movimentação do deputado, que atua como chanceler paralelo, abre uma segunda trilha diplomática em prejuízo daquela que, conduzida pelo Itamaraty, deveria prevalecer no trato oficial com outros governos, inclusive os que não são de direita, e com os quais, diferentemente do que ocorre com a Hungria, tem o Brasil relações de grande densidade e dinamismo. Isso acontece com Alemanha, França, Reino Unido, Espanha, Portugal, entre outros importantes parceiros comerciais e fontes de investimento em nossa economia.
A diplomacia paralela de Eduardo Bolsonaro, na ânsia de aproximação com forças da extrema direita, tem efeitos contraproducentes em nosso relacionamento com as grandes democracias europeias. A identificação do Brasil com protagonistas da extrema direita irrita os governos verdadeiramente democráticos em Berlim, Paris, Londres e outras capitais, pois tais governos são alvo de duros ataques e contestações pelos radicais da direita.
+ de Roberto Abdenur: Os interesses de Brasil e EUA
Também não ajudam o Brasil outras posturas de Brasília, como a falta de compromisso com o meio ambiente e com a preservação da Amazônia e o ceticismo quanto aos acordos de Paris sobre mudança climática. A tendência é que surjam inibições e restrições às relações com o Brasil, incluindo barreiras a nossas exportações. É ruim a imagem do governo Bolsonaro no exterior, e nosso alinhamento com personagens e governos da extrema direita só fará piorar essa situação.
O governo está fazendo escolhas erradas em suas prioridades. Atua de forma pouco profissional. A diplomacia paralela se sobrepõe à diplomacia oficial do Itamaraty e arrasta o país para caminhos equivocados. A diplomacia brasileira já está a sofrer descrédito e desprestígio. Ao impacto da diplomacia paralela, essa tendência certamente se agravará.
Fonte: “O Globo”, 09/05/2019