Empresas alegam que a alta sinistralidade em alguns seguros compromete seus resultados e dificulta a manutenção e renovação de contratos de resseguros
Riscos declináveis são aqueles que, por uma razão ou outra, uma seguradora considera passíveis de não serem aceitos por ela. A forma mais fácil de explicar como é isso é através de dois exemplos emblemáticos, um envolvendo seguradora de vida e, outro, seguradora de riscos patrimoniais. Uma seguradora especializada em seguros de vida não teria razão para assumir o risco de incêndio de uma usina nuclear. O risco está completamente fora de sua área de atuação, não havendo razão que justifique sua aceitação por não ser sua especialidade. Da mesma forma, não tem sentido uma seguradora especializada em riscos patrimoniais assumir o seguro de vida dos escafandristas de uma petrolífera perfurando em águas profundas. Ou seja, nenhuma das duas seguradoras tem a expertise necessária, ou massa de negócio no ramo, para justificar seu interesse no risco que lhe é proposto.
Durante quase 70 anos o Brasil teve o monopólio do resseguro pautando o setor. Por força dele, o grande definidor das regras para a atividade seguradora era o Instituto de Resseguros do Brasil – IRB, que determinava inclusive as condições e taxas de todas as apólices emitidas no território nacional, através da imposição de tarifas únicas obrigatórias para todas as seguradoras em operação no Brasil.
Como as condições das apólices brasileiras tinham coberturas mesquinhas e preço caro, o índice de sinistralidade do contrato de resseguro do IRB era muito mais baixo do que os resultados internacionais. Isto permitia a ele manter um dos maiores contratos automáticos de cessão de resseguro do mundo, o que lhe dava capacidade para aceitar riscos bons e riscos ruins, que eram colocados num mesmo pacote, basicamente subsidiado pelos riscos bons.
Dentro deste desenho, e das condições tarifárias vigentes, pelas quais os riscos eram taxados levando em conta uma série de fatores de ordem interna e externa ao segurado, era possível ao IRB aceitar, por preço acessível, riscos que no resto do mundo só eram aceitos em condições bem mais caras.
Isso não significa dizer que na época do monopólio do resseguro não houvesse riscos declináveis. Havia. Como sempre houve e continuará havendo. Além dos exemplos acima, nos quais os riscos eram declinados porque as seguradoras não operavam naquelas determinadas carteiras, havia também o interesse comercial, que pode ser resumido, de novo, em dois exemplos simples.
O primeiro é a antiga dificuldade para colocação de seguros “All Risks” para joias, mas em especial para relógios Rolex de ouro. Há pelo menos 30 anos praticamente nenhuma seguradora opera com estes riscos. Da mesma forma, nos últimos 20 anos o seguro de transporte rodoviário de carga passou a ser risco declinável para a imensa maioria das seguradoras em operação no Brasil, por conta da alta sinistralidade de roubo que envolve este tipo de atividade empresarial.
O que acontece no momento é a mesma situação, mas envolvendo seguros que durante décadas foram aceitos com poucas exigências e por preço módico. Fábricas de colchões e móveis, indústrias têxteis, químicas, supermercados e outros estão encontrando dificuldades para a colocação de seus seguros, o que não ocorria até poucos anos atrás.
A razão alegada é a alta sinistralidade destes riscos, que compromete o resultado das seguradoras e dificulta a manutenção e renovação de seus contratos de resseguros. E isso é verdade.
Mas não significa que não haja uma solução para o problema, e uma solução de mercado, mais inteligente do que uma eventual decisão judicial, que tem tudo para ser extremamente danosa para o setor, em virtude da falta de conhecimento técnico do magistrado a respeito do funcionamento de uma atividade econômica cujos meandros são pouco conhecidos inclusive por quem trabalha nele.
Estes riscos não são exclusivos do Brasil. Então, como o resto do mundo os trata? A resposta para esta pergunta pode ser o começo da solução.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 14/03/2011
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