Fez bem o governo federal quando abdicou de apresentar propostas abrangentes de reforma tributária, preferindo soluções focalizadas em problemas específicos. A experiência demonstra, claramente, que esses tipos de reformas levam à maximização de tensões políticas, resultando em insucesso da pretensão. Reestruturações completas de sistemas tributários somente ocorrem em situações excepcionais, como crises agudas, rupturas institucionais ou guerras.
O repúdio ao fundamentalismo abrangente não pode, entretanto, significar o triunfo das reformas casuísticas, decorrentes de respostas a problemas circunstanciais ou de concessões a lobbies pouco virtuosos.
As reformas casuísticas geram um arriscado clima de voluntarismo tributário, no qual o tributo passa a ser solução para todos os problemas, sem se dar conta de que ele pode vir a ser um problema para todas as soluções.
Não há, por conseguinte, exercício de extrafiscalidade gratuito. Justamente por isso, a doutrina consagrou a neutralidade como um dos princípios básicos da política tributária, ainda que sujeito à articulação com outros princípios igualmente relevantes. Se a intransigência quanto à utilização de incentivos fiscais representa um dogmatismo de pouca serventia, o abuso na utilização desse instituto é território da complexidade, onde prosperam a evasão fiscal, o planejamento ilícito e, quase sempre, a corrupção.
Ao substituir a folha de salário pela receita bruta, na base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, a autoridade fiscal deu um passo acertado visando a desonerar exportações e superar o antagonismo entre emprego e tributo.
Foi prudente, também, ao restringir a mudança àqueles setores em que a folha de salários tinha peso significativo nos respectivos custos. Essa prudência se justifica, porque os efeitos de um novo modelo tributário nunca são completamente previsíveis. A autoridade fiscal errou, todavia, quando admitiu a convivência, numa mesma empresa, entre o novo e o antigo regime, do que decorre um complexo e vulnerável sincretismo tributário.
A enorme instabilidade nas regras tributárias é algo extremamente danoso. Por mero bom senso, sabe-se que incertezas econômicas não podem sancionar a completa imprevisibilidade tributária, assim como o dever de reagir ao que é adverso não autoriza a temeridade.
A cada aumento do estoque de automóveis no pátio das montadoras, parece insensato criar regimes transitórios, com Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) mais baixo. Essa política é capaz de gerar importantes efeitos perversos. Foi ela que, combinada com uma descuidada política creditícia, inviabilizou o trânsito nas nossas cidades, pois é verdade inconteste que o tecido urbano brasileiro não está dimensionado para receber um grande número de automóveis, para não falar da reconhecida precariedade dos transportes públicos.
No caso da cidade de São Paulo, diante dos constantes engarrafamentos, um bem-humorado observador sugeriu substituir a tributação do IPVA dos veículos pela incidente sobre os bens imóveis.
O retorno à tributação normal dos automóveis produz uma paralisia no mercado, à espera de uma nova redução do IPI. Algo semelhante ao que ocorre com alguns contribuintes que optam pela inadimplência à espera de futuras anistias.
O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) muda a cada momento. A única certeza, pois, é de que ele muda sempre. É evidente que ele tem uma função regulatória, malgrado seu crescente papel arrecadatório. Mas tal função não pode ser pretexto para sua conversão em biruta de aeroporto.
O PIS e a Cofins transformaram-se em pau para toda obra. A cada projeto concebido por um luminar de plantão, cria-se um regime de benefícios fiscais para aquelas contribuições. Tais regimes estão associados a exigências, para as quais a administração pública não está habilitada para verificar o cumprimento. Usualmente, eles se extinguem em virtude de escândalos.
Hoje, nem o Fisco nem o contribuinte conhecem a legislação do PIS e da Cofins. É uma colcha de retalhos que não cabe em um regulamento.
Visando a enfrentar problemas circunstanciais, foi feita a postergação do vencimento do PIS/Cofins para alguns setores (têxtil, couro, calçados, móveis, autopeças), de abril e maio para novembro e dezembro próximos. Instituiu-se um perigoso precedente.
É certo que, por inúmeras razões, aqueles setores estão em crise. O que faculta, entretanto, entender que, no final do ano, eles irão superar a crise e estarão aptos a pagar os tributos passados e os correntes? Já se antevê uma janela para remissão ou nova prorrogação.
De mais a mais, com que autoridade se poderá negar o benefício, em outro momento, para os mesmos ou outros setores em crise? Tudo isso faz lembrar os tristes tempos em que não se sabia a data de entrega do Imposto de Renda.
Políticas tributárias centradas em problemas podem ser corretas e realistas, além de agradar aos beneficiários. Correm, entretanto, um sério risco de elevar o nível de incertezas ou de sujeitar as decisões a preferências imperiais dos governantes.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 04/06/2012
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