Quem nunca comeu melado, quando come se lambuza! Disse o engraxado mas impoluto ministro Jaques Wagner, usando um brasileirismo.
Com o brio dos comediantes, ele defendia e tencionava racionalizar o conjunto de delitos cometidos pelo governo do qual participa como barão. Na sua fala sempre generosa para com os seus, era mais do que natural que um partido “juvenil” em matéria das sacanagens afeitas ao poder à brasileira — o PT — fosse com muita gana ao pote do mel e lambuzado ficasse.
Vale assinalar essa representação do poder como um pote de mel. Como algo doce a ser comido sem pudor e em grandes quantidades precisamente porque ele é um atributo daqueles poucos que o “tomaram”. A representação do poder como mel, como disse em outra ocasião, é reveladora daquilo que a crise brasileira, como os atos falhos e o reprimido, esconde revelando.
Realmente, se o poder é um mel, como não comê-lo? No fundo, trata-se, como se sabe, de limites. Há quem o tenha desejado, mas não comido, e há quem o tenha comido ao ponto da lambujem. Um mensalão e um petrolão são eventos wagnerianos.
Mas o que quero observar é a natureza da figura (poder = mel), em franco contraste com outras visões. Entre elas, eu lembro a da “mão de ferro”, da “mordaça”, da “espada”, da “águia” suástica e, para finalizar, uma lista infindável, a foice e o martelo ou a caveira das SS, cujo uniforme cairia como uma luva naqueles que falam em golpe tentando, precisamente, golpear as instituições pelo retorno desavergonhado à aristocracia que, desigualando pessoas confundidas com cargos — com o devido respeito a Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados —, imobiliza o sistema.
Mas eis que todos esses símbolos são venenosos, daí o contraste do poder como o doce mel, porque o mel é fluido e bom para distribuir. Pode ser comido em goladas ou gotas e avidamente lambido ao ponto de esgotar o pote.
Quando isso ocorre, revela-se o nosso lado brutal, violento e, sejamos gentis, “deseducado” — antidemocrático porque uns fazem tudo, mas outros sequer podem denunciar ou, eis o pecado mortal num sistema aristocrático, prender a quadrilha constituída de gente querida e importante. De gente que roubava o Brasil para mudá-lo e torná-lo mais popular e socialista! Mas o fato é que comer enchendo a boca implica no abandono da serenidade típica dos “caras de pau” (eis um outro brasileirismo), todos lambuzados porque não seguiram as normas da boa “educação” — lida no Brasil como “boas maneiras” e aquiescência, mais um brasileirismo, e não como saber.
Comido em doses wagnerianas, o mel promove diarreia ou lambuza, como bem diagnosticou o barão-ministro, e hoje todo o povinho brasileiro (do qual eu faço parte), dito golpista justamente porque sabe que o mel é por ele produzido!
Como brasileirismo, o mel compete com a “caneta”. Embora a história brasileira tenha sido marcada por episódios crudelíssimos, é a canetada que tudo legaliza, deixando de lado a tal da ética, muito falada e teorizada, mas pouco praticada.
O dilema entre a igualdade de um mel universal e a aristocracia do melado para poucos, denunciado por mim no livro “Carnavais, malandros e heróis”, publicado em 1979, retorna forte com o governo Dilma dando um violento “Você sabe com quem está falando?” em todo o povo que foi às ruas, quando tenta transformar Lula num ministro-barão, situando-o acima da lei.
A crise, reveladora de ambiguidades e ausências, revelou telefonemas onde o baixo calão de Lula confunde-se com a presença inequívoca de um outro brasileirismo: o dos “puxa-sacos” que viram “soldados”, traem os seus companheiros de governança, falam mal de quem os ajudou e, pior que isso, oferecem de calças arriadas a solução a ser seguida. Um deles diz: “Vocês tem a faca e o queijo na mão, façam de Lula um ministro, caralho!”
A mim foi tanto ou mais vergonhoso ouvir os planos para aristocratizar Lula, livrando-o de uma eventual prisão, do que as vigorosas lambidas dadas no seu traseiro, as quais, como aprendi nos Estados Unidos, transformam quem as pratica em brown noses — em narizes sujos de merda!
Mas o fato político relevante, o brasileirismo principal e recorrente, é o de aristocratizar pessoas neste Brasil feito de superiores e inferiores, sempre desconfiado ou desconfortável com a igualdade, como revelam o trânsito, as filas , os hospitais, a ausência de segurança e um sistema educacional que é a chave mestra da igualdade.
Minha sugestão é simples. Dilma deveria ouvir a teoria do ministro Teori pronunciada num evento. Moro coloca-se demais nos holofotes e deveria ser destituído. Em seguida, ela deveria restaurar o Império. Assim, Lula voltaria como rei do Brasil e aí todo mundo (golpistas, cínicos, donos do poder e ricaços) vão poder comer o nosso mel sem os problemas da lambujem.
Fonte: “O Globo”, 23 de março de 2016.
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