A situação fiscal de estados e municípios é crítica. Na semana passada, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, participou em Brasília de uma reunião com governadores, em que, mais uma vez, eles pediram água.
Não custa lembrar: uma das primeiras medidas do governo Michel Temer foi levar ao Congresso um plano de renegociação das dívidas estaduais, que concedia R$ 50 bilhões de alívio e dilatava prazos de pagamento de juros e amortizações, em troca de contrapartidas como a reforma nos sistemas de previdências, congelamento de aumentos e contratações, cortes em cargos e gratificações.
O plano que acabou aprovado no Congresso em 2016 ficou muito aquém do necessário, como mostra o último Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais, divulgado ontem pelo Tesouro Nacional. A situação das finanças de estados e municípios não apenas deixou de melhorar ou ficou estagnada em 2017. Ela piorou – e muito.
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O déficit primário total dos estados cresceu de R$ 2,8 bilhões, em 2016, para R$ 13,9 bilhões, em 2017. As despesas correntes sofreram um aumento de 6,7%, acima da inflação de 3,4%. Subiram R$ 19,8 bilhões, para R$ 315 bilhões. Os gastos com pessoal também subiram 6,7%, ou R$ 25,4 bilhões, para R$ 403 bilhões.
Dois anos atrás, havia três estados em situação calamitosa e violação flagrante da norma estabelecida na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), reiterada pelo Programa de Ajuste Fiscal, que determina um limite de 60% das despesas correntes para gastos com pessoal: Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro.
Pelo relatório de ontem, hoje são catorze: Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Sergipe, Acre, Paraíba, Roraima, Paraná, Bahia, Santa Catarina e Alagoas (como mostra o quadro). Isso segundo o critério conservador e generoso do governo, criticado por especialistas em contas públicas como o economista Raul Velloso.
A situação das previdências estaduais se tornou ainda mais procupante. Com exceção de Pará, Paraíba, Amapá e Espírito Santo, as despesas com inativos cresceram em todos os estados. No Mato Grosso do Sul, tiveram aumento de quase 20%; no Rio de Janeiro, de quase 10%. Para tapar o buraco na Previdência, os estados gastaram em média 14% a mais das receitas correntes.
Ao todo, os regimes previdenciários custaram R$ 94 bilhões aos Tesouros estaduais. Os maiores déficits foram registrados em São Paulo (R$ 19,4 bilhões), Rio de Janeiro (R$ 18,3 bilhões), Minas Gerais (R$ 12,1 bilhões) e Rio Grande do Sul (R$ 11,3 bilhões).
Com o escalonamento das dívidas, os pagamentos dos estados à União e demais credores ficaram constantes em 2017, em torno de R$ 36,6 bilhões. O Tesouro estimou em R$ 13,5 bilhões o alívio nos pagamentos em 2016, e em R$ 22,1 bilhões, em 2017.
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Apesar disso, a dívida consolidada cresceu na maioria dos estados, em especial no Rio de Janeiro. Com a suspensão dos pagamentos, o saldo devedor chegou a quase 300% das receitas correntes, enquanto a LRF estabelece um limite de 200%. Rio Grande do Sul e Minas Gerais também estão acima desse limite, embora o endividamento total gaúcho tenha caído. São Paulo, apesar de redução, continua perigosamente perto dele.
Com relação às dívidas estaduais, Temer entregará o governo a Bolsonaro em situação ainda pior que a recebida de Dilma Rousseff. A situação fiscal da União, apesar de ter melhorado, também está longe de resolvida. Conceder novo alívio ou promover mudanças na LRF, como querem os governadores, será a resposta errada.
É hora de exigir as contrapartidas que, até agora, poucos estados conseguiram entregar. Se alguém duvida de que seja possível, basta olhar para os números do Espírito Santo, onde as despesas primárias e os gastos com pessoal caíram, os limites legais são respeitados, e a dívida está sob controle. Que tal aprender com os capixabas?
Fonte: “G1”, 20/11/2018