Qualquer que venha a ser o resultado do imbróglio político em que estamos metidos, a ressaca será dolorosa. O esgarçamento do diálogo político, a degradação da economia e, sobretudo, a pressão decorrente da crise fiscal, com o colapso dos serviços públicos, imporão a quem quer que sobreviva enormes desafios.
Nos últimos meses surgiram ambiciosos projetos de reforma, que visam modificar o sistema político e reduzir os gastos públicos. Do ponto de vista político, há consenso de que o nosso flexível presidencialismo de coalizão foi lentamente se convertendo num presidencialismo de cooptação. Dada a alta fragmentação partidária e os elevados custos das campanhas, o sistema foi se tornando intrinsecamente ineficiente, dispendioso e corrupto (o que não reduz as responsabilidades dos envolvidos em mensalões, petrolões e outros lamaçais).
No que se refere aos gastos públicos, as chamadas despesas vinculadas passaram a ser o grande foco de preocupação. Por serem determinadas pela Constituição, reduzem a capacidade do governo de plantão de fazer os devidos ajustes em momentos de escassez.
A solução seria uma grande reforma constitucional? Fala-se na necessidade de convocação de uma constituinte exclusiva para reforma política. Outros reivindicam a redução de direitos sociais ou ainda flexibilização de direitos adquiridos.
Amplas reformas constitucionais, embora sedutoras, podem ser arriscadas. Há uma visão romântica de que momentos de crise são propícios para grandes transformações. Por mais que tenhamos aprendido sobre o funcionamento das instituições nas últimas décadas, ainda há pouca capacidade de prever a consequência da interação de determinadas opções institucionais com as variáveis econômicas e culturais de uma sociedade. Nesse sentido, o caminho mais seguro para o desenvolvimento sustentável da democracia, assim como da economia, continua sendo o das reformas incrementais.
Vejamos o sistema político. Nos últimos anos foram feitas mudanças importantes para reduzir o grau de delinquência na política: como a Lei da Ficha Limpa, da delação premiada, da transparência de dados, e mais recentemente as decisões do Supremo determinando a execução da pena após julgamento em segunda instância e a proibição de doações políticas por empresas.
Os resultados estão começando a surtir efeito. Assim, ao invés de abrir uma grande reforma, o melhor seria a adoção de uma sensata cláusula de barreira que, diminuindo o número de partidos, reduziria os custos de governabilidade.
No campo dos gastos públicos, a questão central é como compatibilizar as exigências de responsabilidade fiscal com a necessidade de assegurar acesso à educação, saúde ou saneamento; o que cortar? Ao invés de embarcar numa cruzada contra o frágil modelo de Estado de bem-estar, numa sociedade marcada por profundas desigualdades, as baterias deveriam se voltar à desconstrução das múltiplas formas de patrimonialismo. Deveríamos nos esforçar para distinguir entre direitos fundamentais, indispensáveis à construção de uma sociedade moralmente aceitável, de privilégios injustificadamente adquiridos, que só servem para ampliar a desigualdade e engordar setores parasitários da sociedade brasileira.
Que a ressaca nos induza à sobriedade e não a outro pileque.
Fonte: Folha de S.Paulo, 15/04/2016.
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