O programa Rota 2030 pretende “estimular” a modernização do setor automobilístico no longo prazo, mediante a fixação de um conjunto de regras, tais como incentivos fiscais de até R$ 1,5 bilhão por ano se as montadoras investirem no mínimo R$ 5 bilhões no Brasil, diminuírem o consumo de combustível em 11% até 2022 e introduzirem certos equipamentos até 2027. Contempla duas “caridades”, a saber: a diminuição do IPI de 25% para uma banda de 7% a 20% e um desconto especial para veículos híbridos com motor flex. E contém a habitual perversidade, que é a ameaça de multar em 20% da receita de suas vendas as empresas que não aderirem ao programa ou que descumprirem suas metas, algo como um convite compulsório, uma intimação judicial.
Planos de governos, incluindo as chamadas políticas industriais, invariavelmente são fracassos com datas marcadas, lorotas oficiais. Esta é uma simples constatação, à qual a mais recente demonstração de furor legislador do governo, a Rota 2030, não escapará. Política industrial ideal é aquela que simplesmente não existe, mas, já que parece precisar existir, por imposição do cacoete intervencionista que contamina políticos em geral e a maioria dos economistas, então deve circunscrever-se a pouquíssimas regras de bom senso.
Leia mais de Ubiratan Iorio:
Sim, Amoêdo é rico. E daí?
Farra, forró, foro e ferro. Vamos à forra?
Só trocar de roupa não vai resolver
A primeira delas é que o melhor incentivo que o governo é capaz de fornecer é assegurar a liberdade para empreender, pela abolição de reservas de mercado, tributos, concentração industrial e monopólios legais, o que se faz simplesmente garantindo a competição; a segunda é que, antes de festejá-las, deve-se responder à questão essencial, que é sobre quem será beneficiado por essa ou aquela política, se alguns empresários amigos ou os consumidores; e a terceira é que é muito mais eficiente remover todos os obstáculos, barreiras e controles existentes do que conceder incentivos porque, na maioria dos casos, a economia de mercado cuidará de si mesma e o grande beneficiado será aquele que faz por merecê-lo, o consumidor final.
Alguns poderão defender a necessidade dessas políticas citando exemplos de indústrias que talvez não existissem hoje no país sem os estímulos dados no passado, uma alegação facilmente replicável com a simples menção ao conceito elementar de custo de oportunidade. Há diferenças flagrantes entre enxergar apenas o que está à nossa frente e ir além, prevendo também o que sucederá no longo prazo, assim como não é a mesma coisa usar uma lanterninha de celular ou um farol de milha.
Mas então, se podemos ver as instalações de uma indústria incentivada pelo governo, seus prédios, empregados, fornecedores, consumidores etc., por que criticar a política que tornou isso possível? O buraco é mais embaixo, porque é muito relevante saber, além dos custos diretos, quais foram os custos de oportunidade incorridos. Quantos edifícios, funcionários, abastecedores e compradores de outras indústrias poderiam ser vistos – mas não o são porque, simplesmente, não existem – caso a alocação de recursos, em vez de ter sido imposta, fosse promovida por decisões voluntárias de empreendedores de fato? Uma indústria incentivada artificialmente de cima para baixo, e que talvez nem tivesse por que existir no país, não é pior, em termos de benefícios para os consumidores, comparativamente a outra que teria surgido de baixo para cima pela liberdade espontânea de escolha?
O caminho para a eficiência no uso de recursos e produtos melhores e mais baratos é a competição interna e externa, e não secreções expelidas por cérebros de legisladores e engenheiros sociais. Por que não abolir impostos e regulamentações, desburocratizar, abrir o mercado e deixar o consumidor ter acesso a esses bens? A mania dos planejadores de nos impor o que é bom e o que não é bom segundo suas cabeças precisa ser rapidamente abolida.
Fonte: “Gazeta do Povo”, 21/08/2018