A crise de segurança no campus da UFRJ na Ilha do Fundão, onde mais um assalto foi registrado ontem, também é enfrentada por outras grandes universidades do Rio. Ontem, O GLOBO percorreu as instalações da UFF, Uerj e Universidade Rural e constatou que, em todas, assaltos fazem parte da rotina de estudantes.
Cracolândia no entorno da Uerj
Na Uerj, um novo problema surgiu: moradores de rua transformaram um canteiro entre a Rua São Francisco Xavier e a Radial Oeste numa cracolândia. Estudantes dizem que a presença de usuários de drogas agravou problemas já históricos de insegurança no entorno da universidade. Ontem, havia pelo menos 20 moradores de rua no local. O estudante de engenharia Leonardo José da Silva, de 26 anos, contou que, durante o dia, os usuários de crack não causam maiores problemas, mas ele já ouviu relatos de colegas assaltados com facas, à noite.
— A partir das 21h, fica tudo muito deserto. Homens se drogam ali e depois saem para fazer pequenos roubos na área — conta ele. — Mas a violência está em todo o entorno. Em 2016, fui assaltado enquanto esperava um ônibus. Tive que mudar meus hábitos, não pego mais condução perto da Uerj.
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Na cracolândia, além de usarem drogas, os moradores de rua reviram caçambas, espalhando lixo pela região. Quem escapa dos assaltantes corre riscos ao subir a passarela que liga a universidade ao Maracanã e ao metrô. Segundo o estudante Niosvaldo Evaristo de Carvalho, de 28 anos, nem a estratégia de sair em grupo das aulas à noite tem funcionado.
— Não impede nada. Quem sai em grupo em direção à passarela é simplesmente assaltado com os colegas — contou ele. — Dificilmente vemos policial nas imediações. Só vemos viaturas da PM quando tem jogo no Maracanã. Aí, colocam até polícia montada para fazer segurança.
Debaixo da passarela, há um sinal de abandono do poder público: uma guarita da Polícia Militar em péssimo estado de conservação, aparentemente abandonada. O vidro blindado se encontra rachado em diversos pontos.
— Aquilo ali não é mais nada. Serve só de enfeite — conta a moradora da Mangueira Adeildes Conceição, de 53 anos, que há décadas vende balas em frente à Uerj.
Em nota, a PM informou que, quando solicitada, dá apoio à Secretaria municipal de Desenvolvimento e Assistência Social no acolhimento de pessoas em situação de rua. De acordo com o comando do 6º BPM (Tijuca), o policiamento na região da Uerj é feito por equipes durante todo o horário de funcionamento da universidade. O batalhão diz que soldados intensificam o patrulhamento na passarela. Também em nota, a Uerj informou que já pediu a autoridades “reforços na segurança da área, propondo maior patrulhamento policial e mais iluminação”. O texto diz: “A Uerj está atenta à circulação de pessoas dentro do campus Maracanã e também trabalha para orientar os estudantes e professores sobre os perigos relacionados à violência nas zonas de acesso à universidade”.
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Advertência de perigo desenhada na parede
Em setembro do ano passado, o estudante Bruno Henrique de Souza saiu de uma festa no Diretório Central dos Estudantes da UFF, em São Domingos, e foi esperar em frente ao Plaza Shopping o ônibus para a casa dele, em Bonsucesso. Ali, ele foi abordado por um assaltante e perdeu carteira e celular. Na época calouro de Direito, Bruno passou por uma experiência cada vez mais comum entre os universitários da UFF. Os assaltos se tornaram tão rotineiros que, na Rua Professor Hernani Melo, um alerta foi desenhado no muro ao lado do portão do Instituto Biomédico: “Cuidado, assaltos”.
— Estava num evento que acontece toda semana no DCE, uma festa dos estudantes, a “quintareira.” A polícia podia se planejar para fazer um policiamento nos arredores, já que sabe que vai ter muita gente — diz Bruno. — Todos sabem onde acontecem os assaltos. A Hernani Melo é chamada de “rua do perdeu.”
O problema se tornou tão sério que o DCE da UFF convocou uma reunião no último dia 2 para discutir a violência. De acordo com o coordenador geral do diretório, Bruno Araújo, a questão começa na falta de iluminação no campus e continua na saída das aulas, devido à falta de policiamento:
— Estamos tendo muitos casos, inclusive de assédio e estupro. Vamos encaminhar ao Conselho Universitário uma série de resoluções pedindo mudanças que possam garantir um pouco mais de segurança na região.
De acordo com Araújo, algumas medidas simples poderiam evitar um grande número de roubos. Ele cita como exemplo o ônibus da universidade, conhecido como Busuff, que transporta estudantes de diversos campus da universidade para os pontos de ônibus e a estação de barcas. Para Araújo, se o veículo circulasse até as 23h, daria mais segurança para os alunos que saem de aulas às 22h.
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— Atualmente, o Busuff faz sua última viagem entre 21h e 21h30m, mas tem aula que termina só às 22h. Se ele circular só um pouquinho mais, dá para esses estudantes pegarem o coletivo e evitarem sair sozinhos.
O coordenador do DCE também sugere que o motorista do ônibus seja autorizado a deixar as alunas descerem em qualquer local ao longo do itinerário, e não só nos pontos determinados pela UFF. Desta forma, elas teriam que percorrer distâncias menores sozinhas. A preocupação foi reforçada em abril, após uma aluna ter sido estuprada ao sair de uma festa, supostamente por ser lésbica. Procurada, a UFF não se manifestou até ontem à noite. A PM informou, em nota, que o 12º BPM (Niterói) realiza patrulhamento ostensivo no entorno dos campus, fazendo o policiamento principalmente por meio de rondas com carros e motos, e ressaltou que “recentemente, o batalhão foi contemplado com novas viaturas, reforçando o policiamento na área da faculdade.”
Seropédica convive com falta de iluminação
Em Seropédica, a cerca de 75 quilômetros da capital, os alunos do principal campus da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ) convivem com a falta de iluminação e, consequentemente, de segurança. O terreno é grande e cercado de amplos espaços com mato alto, que serve como esconderijo para criminosos. Alunos relatam casos de assaltos e tentativas de estupro nos arredores e até mesmo dentro da área que pertence à instituição.
— No último dia 2, perdi meu celular, com fone de ouvido e carregador, além de duas marmitas e um molho de chaves — conta Eduardo Souza, aluno do 3º período do curso de Educação Física.
Souza foi surpreendido por dois homens encapuzados, na altura do Instituto de Floresta da universidade, quando retornava da aula, por volta de 23h. Ele conta que não se sente seguro transitando pelo local.
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U— É raro ver algum guarda da Rural. Quando eles estão por ali, ficam somente até as 22h. Depois, os seguranças vão embora — reclamou.
Outra aluna que passou momentos de terror foi Yasmin Lopes, que cursa o 8º período de Medicina Veterinária. Ela e uma amiga foram surpreendidas numa estrada de terra cercada por matagais por um homem com as calças abaixadas e portando uma faca.
— Foi desesperador! Conseguimos correr e nos trancamos num depósito até conseguir contato com alguém para nos buscar — relata Yasmin.
Essa não foi a única experiência de Yasmin com a criminalidade ao redor da Rural. Em janeiro deste ano, ela foi vítima de um assalto em frente ao pórtico da universidade. Criminosos haviam roubado uma carreta, que quebrou no local. Eles desceram para tentar levar carros parados na via e acabaram escolhendo o veículo em que Yasmin estava.
— Está cada vez mais difícil estudar na Rural. Você anda olhando para trás, qualquer carro mais devagar te assusta — lamenta.
A administração da Rural informou que registrou apenas dois assaltos nos últimos dois meses. Segundo a instituição, devido à impossibilidade de concurso, o efetivo de 76 guardas será reforçado por mais 150 da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), divididos pelas unidades de Seropédica, Três Rios, Nova Iguaçu e Campos dos Goytacazes.
Fonte: “O Globo”