A empresa de inovação Distrito revelou com exclusividade ao Estadão quais são suas apostas para este ano. No relatório de 89 páginas, a Distrito considera os seguintes fatores: estimativa do valor de mercado, número e valores das rodadas de investimento, presença nos aportes de fundos que já formaram outros unicórnios, aquisição de outras startups, número de funcionários e de vagas abertas, atuação internacional e experiência dos fundadores e do time executivo.
Assim, foram listadas 17 candidatas ao posto de unicórnio: ContaAzul, Dr. Consulta, Neon, Minuto Seguros, PetLove, CargoX, Contabilizei, Pipefy, Olist, Solinftec, Superlógica, Tembici, Fazenda Futuro, Zenvia, Buser, Take Blip e Cortex. É provável que nem todas virem unicórnio em 2021, afinal o grupo é amplo, mas a lista serve como norte. Na edição de 2020, o documento trouxe os três unicórnios do ano (Loft, Vtex e Creditas).
Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, é possível que 2021 tenha o maior número anual de novos unicórnios já registrado no Brasil, ultrapassando 2018 e 2019, quando cinco startups em cada ano atingiram o valor de US$ 1 bilhão. “Desde o ano passado temos visto um movimento positivo em relação ao crescimento de aportes. O funil de startups próximas de se tornarem unicórnio está maior”, afirma Daniel Grossi, sócio-diretor da empresa de inovação Liga Ventures.
O primeiro unicórnio de 2021 já é conhecido: a empresa MadeiraMadeira, especializada em venda online de material de construção e de móveis, atingiu o status em janeiro depois de receber um investimento de US$ 190 milhões. Já é um sinal claro dos reflexos da pandemia, já que o comércio eletrônico foi impulsionado durante o período. Isso significa que mais nomes do segmento devem aparecer. É o caso da Olist, que ajuda lojas físicas a terem uma presença online, colocando seus produtos à venda em sites como MercadoLivre, Amazon e Submarino pelo sistema de marketplace. “Crescemos três dígitos em termos de receita e volumes transacionados no ano passado. Projetamos um ano ainda melhor em 2021”, diz ao Estadão Tiago Dalvi, presidente executivo da startup.
Com o crescimento de vendas online, quem também ganha força são as fintechs. Repetindo um padrão que vimos nos últimos anos, esse é o setor com mais aspirantes a unicórnio na lista da Distrito – são quatro. É daí que vem um dos maiores candidatos a unicórnio do ano: a Neon, que no ano passado recebeu um cheque de US$ 300 milhões, e tem o maior valor de recursos captados entre os nomes do estudo: são US$ 426 milhões até aqui.
“Os clientes anteciparam a transformação digital em três anos. Crescemos três vezes o ano passado e esperamos crescer três vezes neste ano”, diz ao Estadão Pedro Conrade, fundador da Neon. A empresa tem 600 vagas abertas para serem preenchidas já no primeiro semestre.
Porém, vista como um todo, a lista traz surpresas em relação a anos anteriores. A principal delas talvez seja a diversificação de setores. “Há representantes de setores bem brasileiros, como logística, varejo, serviços para as classes C e D e serviços para pequenas e médias empresas. É interessante ver como essas startups estão absorvendo e resolvendo problemas estruturais do Brasil”, diz Gustavo Gierun, cofundador da Distrito.
Exemplo disso é a candidata CargoX, conhecida como “Uber dos caminhões”. A startup paulistana, fundada pelo argentino Federico Vega, conecta cargas a transportadoras e caminhoneiros, monitorando todo o trajeto com geolocalização – investem na CargoX nomes como Goldman Sachs e Valor Capital. A empresa já tem 400 funcionários e está em um ritmo de crescimento acelerado, com 100 vagas abertas. “Em 2021 continuaremos a crescer agressivamente, aumentando a escala da operação. Para isso, um dos nossos focos tem sido ajudar transportadoras com capital de giro”, afirma Vega em entrevista ao Estadão.
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Também da área de transporte, está cotado o nome da Buser, que conecta empresas de fretamento com passageiros em viagens intermunicipais. A empresa interrompeu sua operação durante três meses no início da pandemia, mas tem visto suas atividades voltarem aos trilhos: segundo a Buser, em dezembro seu volume de passageiros foi o dobro em relação ao mesmo mês de 2019. A cabeça de unicórnio, com planos ambiciosos, a startup já tem: “Os próximos passos pensando na chegada da vacina são expandir nosso serviço para mais cidades e regiões e também começar em 2021 nosso piloto para transporte municipal”, afirma Marcelo Coelho, cofundador da Buser, ao Estadão.
E nada mais brasileiro que o agronegócio. A representante do setor na lista é a Solinftec, que recebeu um aporte de US$ 40 milhões no começo do ano passado, liderado pela empresa de investimento Unbox Capital, cujos principais investidores são a família Trajano, dona do Magazine Luiza. Fundada em Araçatuba, no interior de São Paulo, a empresa oferece uma espécie de “Windows das fazendas”: seu sistema une hardware e software para monitorar fazendas em tempo real e entregar informações dos processos agrícolas para fazendeiros. Seria o primeiro unicórnio de um dos setores fundamentais da economia brasileira.
Para Gierun, outro fato que chama a atenção na possível turma de 21 é o perfil ‘b2b’. “Até aqui, nossos unicórnios tinham o perfil de atender o consumidor final. Mas o Brasil tem muitas pequenas e médias empresas e os unicórnios têm boas oportunidades de ajudá-las”, diz.
Blasé
Apesar do status de unicórnio servir como uma distinção dentro do ecossistema, os candidatos têm em comum a postura blasé em relação ao título. Federico Vega, da CargoX, diz que não se preocupa com esse posto: “Essa métrica de unicórnio pode ser ruim algumas vezes, invertendo o valor da empresa, focando o objetivo só no dinheiro. Com o trabalho bem feito, e clientes e investidores felizes, como consequência você pode virar um decacórnio”, diz ele, em referência às empresas avaliadas em US$ 10 bilhões.
Marcelo Coelho, cofundador da Buser, vai na mesma linha: “Nós não olhamos muito para valuation. Vemos que as pessoas acreditam que seremos grandes porque resolvemos um problema grande: o sistema de transporte rodoviário está há 60 anos do mesmo jeito, na mão de poucas famílias, sem resolver as dores da população”, afirma.
Já Pedro Conrade, da Neon, reconhece que existe uma maratona por valuation: “Não queremos participar disso. Nossa corrida é uma maratona e não um tiro de 100 metros”, diz. “Provavelmente só vamos revelar nosso valor de mercado em um IPO, o que ainda tem chão para que aconteça”.
Dalvi, da Olist, também pensa parecido: “Precisa ter cuidado para não se deixar levar pelo ego. Estamos aqui para uma maratona longa e temos muito trabalho pela frente. O status de unicórnio é só consequência daquilo que fazemos”, diz.
Faltam braços
Para uma startup virar unicórnio, é preciso manter um ritmo acelerado de crescimento – e não dá para crescer sem ter uma equipe trabalhando a todo vapor. É por isso que a falta de mão de obra pesa para que as candidatas não realizem o seu potencial pleno.
“Preencher as vagas é o maior desafio. Temos muitas posições estratégicas abertas”, diz Dalvi. Ele diz que a Olist quer preencher 400 vagas durante o ano – a meta é fechar 2021 com um quadro de 900 pessoas.
“Os modelos dessas startups são sólidos, elas têm capital e o cenário para 2021 é favorável. Mas a falta de mão de obra qualificada para o ramo de tecnologia pode pesar”, afirma Gierun. “Importar mão de obra e treinar funcionários para assumirem cargos mais altos não é o suficiente. Esse é um problema estrutural e precisamos ter políticas para o desenvolvimento desse segmento no Brasil – tanto de formação de base quanto de desenvolvimento de profissionais. Só a educação resolve”, diz.
A capacitação do ecossistema é também fundamental para que os nossos próximos unicórnios ocupem uma posição global de destaque. “As startups cotadas para unicórnio hoje são inovadoras mais do ponto de vista do serviço, por resolverem a dor do cliente. O mercado precisa evoluir em grau de sofisticação de engenharia e inteligência artificial para que tenhamos de fato tecnologias originais brasileiras”, afirma Gilberto Sarfati, professor da FGV.
Fonte: “Estadão”, 17/02/2021
Foto: Mike Blake/Reuters