A grave crise política e a pior recessão da história tiram o foco de questões essenciais que, diante de outras urgências, acabam ficando em segundo plano. Mas não são menos importantes. E isso ficará claro quando o país, em algum momento, retomar um mínimo de normalidade para ir adiante e fazer projetar o futuro, em vez de se dedicar a apagar incêndios do cotidiano.
É o caso do saneamento, mais uma tragédia que se agrava pelo descaso e pela tendência deletéria dos políticos de administrar de olho apenas na próxima eleição, deixando de lado obras que não “aparecem” nem vão render votos a curto prazo. É um vício antigo. Desde os anos 1980 o país não faz investimento significativo no setor. E recuperar tanto tempo de incúria exige um gasto proibitivo para um Estado sufocado ao limite pela crise fiscal e com a capacidade de investimento aniquilada pelas gestões irresponsáveis de Lula e Dilma e boa parte dos antigos e atuais governadores.
Para universalizar os serviços de tratamento de água e esgoto no país, seria preciso — de acordo com dados mais recentes do Instituto Trata Brasil — um investimento de R$ 303 bilhões em 20 anos.
Para se ter uma ideia do que isso representa, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) destinou R$ 40 bilhões ao saneamento, ou seja cerca de 13% do total necessário.
O Brasil ainda convive com situações inaceitáveis. Mais de 35 milhões de pessoas não contam com abastecimento de água tratada. No grupo das cem maiores cidades brasileiras, a média de tratamento de esgotos é de 50,26%.
Diante de quadro tão dramático, não há outra alternativa a governos incapazes até de honrar salários de servidores a não ser recorrer a parcerias com a iniciativa privada.
Há exemplos bem-sucedidos nesse sentido, como o da concessionária Águas de Niterói, e planos de estender a experiência a outros municípios. O governo do estado do Rio anunciou em novembro do ano passado que faria parceria público-privada para realizar as obras de saneamento em São Gonçalo, Itaboraí, Baixada Fluminense e entorno da Bacia do Rio Guandu.
A experiência de Niterói não deixa dúvida quanto ao caminho a seguir. A cidade está em sexto lugar em saneamento entre as cem maiores do Brasil no ranking do Trata Brasil.
A intenção de recorrer à iniciativa privada, no entanto, não é panaceia. É preciso que ela seja levada efetivamente adiante, enfrentando resistências corporativas e preconceitos políticos e que a continuidade dos projetos não dependa do eventual resultado de eleições. Os governantes deverão, finalmente, ser claros num firme propósito e na visão construtiva de longo prazo, porque a necessidade de tirar o país do atraso é urgente. A população ganharia em saúde e qualidade de vida.
Fonte: “O Globo”, 9 de julho de 2016.
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