A Fundação Perseu Abramo, o think tank do PT, divulgou, na semana passada, o documento “Plano de reconstrução e transformação do Brasil”.
Antes de entrar na análise do projeto petista, friso que um país injusto e desigual como o Brasil precisa muito de um partido social-democrata puro-sangue, como o PSOE, da Espanha, e tantos outros.
A social-democracia tem sólida origem no movimento dos trabalhadores, historicamente ligados à indústria, e, além de ter aberto mão de qualquer saída autoritária, aprendeu a gerir com competência as economias de mercado.
O documento do PT é ruim. Não há diagnóstico. Íamos bem. Aí o “golpe contra a presidenta Dilma” gerou todos os nossos problemas.
Não há nenhuma menção ao fato de a gestão petista ter sido não sustentável. Há duas semanas, em sua coluna, Marcos Lisboa mostrou os dados de rentabilidade das empresas cuidadosamente construídos por Carlos Rocca. Era claríssimo que a rentabilidade e o investimento caíram a partir de 2009, muito antes do agravamento da crise.
Na semana passada, mostrei que a piora fiscal é muito anterior. O mesmo se aplica à lenta reinflação da economia, que ocorreu desde o vale da inflação, em 2006, e à piora das contas externas. Há profusão de evidências de que a política econômica a partir da troca na Fazenda, com a saída de Palocci, passou a ser não sustentável.
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O boom de commodities anestesiou e escondeu os problemas. Em seu primeiro mandato, Dilma, com as pedaladas fiscais, seguidos programas de refinanciamento de dívidas tributárias, excesso de transferência ao Tesouro de dividendos, congelamento dos preços administrados, além das antecipações de dividendos, conseguiu empurrar os problemas para até o dia seguinte à eleição de 2014.
Lendo o projeto petista, sem fazer muita conta —não há nenhuma simulação de gastos—, nota-se que, por alto, deve ser necessário aumentar a carga tributária em uns dez pontos percentuais do PIB parar atender a todas as demandas.
Vamos voltar a conceder aumentos reais do salário mínimo equivalentes ao crescimento da economia e, quando houver recessão, de no mínimo 1% ao ano. Reestatizaremos todo o pré-sal e retornaremos aos programas ambiciosos de conteúdo nacional e de desenvolvimento da indústria de óleo e gás.
Evidentemente, não há nenhuma preocupação com a sustentabilidade. Os excelentes trabalhos do Ipea, a cargo de Marcello Muniz da Silva, que documentaram que nossos estaleiros têm um décimo da produtividade dos chineses e que, no esforço petista anterior, não houve ganhos de aprendizado, não são mencionados pelo think tank petista.
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O mesmo se aplica ao Minha Casa Minha Vida. O fato de esse programa ter inúmeros problemas, e de que qualquer urbanista em cinco minutos de conversa consegue desfiá-los com muita facilidade, e o fato de que, do ponto de vista agregado, o programa não mexeu na série histórica do déficit habitacional não são considerados.
Sustentando tudo, temos uma reforma tributária que taxará os ricos. A questão não é muito diferente do que apresentei neste espaço em 8 de abril de 2018. Precisamos saber qual é o espaço fiscal. Ciro Gomes, no seu recente livro “Projeto Nacional: O Dever da Esperança”, encontra 3% do PIB de aumento de carga tributária tributando os ricos. Acho difícil haver mais que 2%. Tema para os especialistas de arrecadação.
Espero que o PT retorne à social-democracia, que encarnou nos três primeiros anos do governo Lula, e cujo ponto de partida é uma política macroeconômica responsável que dê base a um ciclo sustentável de avanços na área social.
Fonte: Folha de S. Paulo
Foto: Leo Caldas / Folhapress