Lidia Goldenstein dedica-se a pesquisas e projetos na área de economia criativa no Brasil e no exterior. A economista, que atua como consultora e é diretora da Fundação Bienal, critica o uso do termo economia criativa, defendendo que o conceito não se restringe a um segmento, mas define o novo modelo de indústria que vem gerando riqueza no mundo.
Como a economia criativa vem crescendo no Brasil?
Cada vez gosto menos desse nome, economia criativa. Isso deu margem a uma falsa visão de que o processo se encerra nos limites da cultura e de uma proposta ultrapassada. Trata-se de uma nova política de estratégia de crescimento, num mundo radicalmente transformado. A estrutura do capitalismo não é mais a da velha base manufatureira que migrou para a Ásia. Hoje, a indústria que gera valor é ligada a tecnologia e criatividade.
E o que seria economia criativa?
Economia criativa significa fomentar novas indústrias, a partir da revolução tecnológica, ou aquelas que não tinham tanta importância no capitalismo tradicional. Produtos como o iPad (da Apple) são um exemplo disso. Aliam inovação e design. É isso que faz a diferença hoje. São setores que, do ponto de vista da valorização do capital, geram emprego, renda e exportação.
E no Brasil, já é vista dessa forma?
No Brasil, é mais economia da cultura ou uma visão do que eu chamo de hippie velho, que acredita que por meio do artesanato, da economia solidária tudo vai se resolver. Tudo isso é importante, é claro. Mas o Brasil permanece no velho debate entre desenvolvimentistas e liberais quando se discute usando ferramentas que remetem aos anos 1950. Mas a velha indústria não dá mais. Isso não quer dizer que a indústria não importa mais. Hoje, a indústria que importa é a ligada à inovação e aos serviços. Temos serviço, mas o nosso é o do call-center, enquanto nos países desenvolvidos é de alta tecnologia.
E neste cenário de crise econômica?
Num cenário de inflação e déficit público, controle de gastos e combate à corrupção são fundamentais, mas insuficientes para resolver a crise. Porém, não há política de inovação e reorganização da indústria no país focada nesses setores que geram emprego e renda. A separação entre indústria e serviços não faz mais sentido. Vide o exemplo de empresas como a Apple e também em áreas fortes como a de games (jogos eletrônicos) e do audiovisual. Falta-nos capacidade de inovação e introdução dos grandes segmentos inovadores que estão gerando riqueza no mundo.
Como transformar a indústria?
Só há salvação para a indústria se ela inovar. Temos evoluções no país. Mas, do ponto de vista macro, falta estratégia que estabeleça uma cultura de inovação no país. Veja o quanto estamos atrasados em áreas como a robótica. Será um grande problema em pouco tempo. Os países têm de se preparar para o que vem. Temos de correr atrás dos velhos problemas, mas, ao mesmo tempo, é preciso se preparar para o novo. Eu temo que se (a economia criativa) ficar na esfera da cultura, não vá impactar da forma como vejo necessária para a indústria e para a economia brasileiras. Precisa ser um projeto nacional.
Há ações interessantes pelo país, como incubadoras criativas.
Vemos muitas ações interessantes pipocando pelo Brasil e principalmente fora de São Paulo, no Rio e em Recife, por exemplo. É que São Paulo justamente tem a ver com a força da velha indústria impedindo o novo de vir, se afundando. A indústria do país está fortemente concentrada no estado de São Paulo.
Fonte: O Globo, 03/01/2016
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