Essencial para redução de desigualdades, a cobertura territorial de municípios atendidos por rede coletora de esgoto avançou lentamente nos últimos dez anos. Dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), divulgada pelo IBGE nesta quarta-feira, mostram que, entre 2008 e 2017, o número de municípios atendidos por rede de saneamento avançou de 55% para 60%. Isso significa que 40% das cidades ainda não possuem sistema para coletar e tratar dejetos.
A pesquisa indica que as desigualdades regionais também persistiram nos últimos anos. Enquanto em São Paulo 100% das cidades possuíam rede coletora de esgoto em 2017, no Maranhão essa taxa era de 6,5%. Em apenas 11 estados, mais da metade das cidades possuía rede, conforme os parâmetros utilizados pelo IBGE.
Os números mostram que os serviços estão concentrados nos maiores municípios do país, atingindo 97,5% de cobertura entre aqueles com mais de 500 mil habitantes e 93% naquelas com entre cem mil e 500 mil brasileiros. Abaixo da média nacional figuram as municipalidades com menos de 20 mil habitantes.
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— A gente pode observar pela série histórica que houve um avanço no esgotamento sanitário, mas ainda é incipiente — explica Fernanda Malta, gerente da pesquisa do IBGE.
Especialistas afirmam que os números mostram um cenário desalentador para o país, cuja perspectiva é de transformação com a aprovação do novo marco legal do saneamento básico no país. Promulgado na última semana, deve abrir mais espaço à atuação de agentes privados e atrair investimentos para o setor, cujo atraso histórico prejudica o bem-estar da população e a economia.
A estimativa do governo e de especialistas do setor privado é que serão necessários cerca de R$ 700 bilhões para que essa situação seja corrigida até 2033, reduzindo as deficiências de infraestrutura.
Hoje, segundo mostra o estudo do IBGE, as companhias estaduais e prefeituras são as principais executoras dos serviços de água e esgoto no país. No entanto, há ainda um despreparo para lidar com políticas de saneamento. Segundo a pesquisa, apenas 38,2% das cidades têm uma política municipal sobre o tema.
Para Gesner Oliveira, economista da Go Associados e ex-presidente da Sabesp, os números do IBGE mostram um potencial de oportunidades no país. A região Norte, por exemplo, tem 16% dos municípios com rede de esgoto.
— A abertura para o setor privado pode trazer investimentos maiores nas regiões mais pobres por serem elas com as maiores lacunas. As maiores oportunidades se encontram nestas regiões — avalia.
Na avaliação de Patrícia Sampaio, especialista em infraestrutura e saneamento e sócia de Rennó, Penteado, Reis e Sampaio Advogados, isso deve beneficiar principalmente os municípios menores, hoje com ausência de serviço na maioria dos municípios, com a possibilidade de licitação regionalizada.
— Isso é importante pois permite subsídios cruzados, ganhos de escala e que a atividade possa ser desenhada de uma forma mais atrativa aos investidores. Ter saneamento é ponto zero para reduzir as desigualdades regionais, uma das diretrizes da Constituição.
Desigualdade regional
Apesar da forte presença nas capitais e grandes cidades, os dados preocupam. Em muitas localidades que possuem rede coletora há desigualdades espaciais no atendimento, ainda distante da universalização. Em outras palavras, mesmo que vários bairros de uma cidade não sejam atendidos pelo serviço, ela pode constar na lista do IBGE como atendida.
No Rio de Janeiro, por exemplo, São Conrado e Copacabana são atendidos por rede coletora de esgoto, enquanto o serviço inexiste na Rocinha e no Complexo da Maré.
Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) indicam que quase metade da população brasileira continua sem acesso a sistemas de esgotamento sanitário. São cerca de cem milhões de brasileiros que são obrigados a utilizar medidas alternativas para destinar os dejetos, como uso de fossa ou jogando diretamente em rios.
Além disso, a pesquisa mostra que a coleta de dejetos não é acompanhada pelo tratamento de esgoto. Estudo feito pelo Instituto Trata Brasil aponta que apenas 45% do esgoto gerado no país passa por tratamento. Isso quer dizer que os outros 55% são despejados diretamente na natureza, o que corresponde a 5,2 bilhões de metros cúbicos por ano ou quase 6 mil piscinas olímpicas de esgoto por dia.
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Segundo o IBGE, do total de municípios com rede, apenas 62,8% contavam com uma estação de tratamento de esgoto (ETE) em operação. Apesar de ainda baixo, o número apresentou avanço na última década. Em 2008, 49,3% tinham ETE funcionando.
Prejuízo na economia
Os efeitos da falta de tratamento do esgoto refletem na proliferação de doenças. Em 2017, 34,7% dos municípios do país registraram uma epidemia ou endemia relacionadas ao saneamento básico, segundo o IBGE.
Somente no primeiro trimestre deste ano, de cada cem leitos SUS disponíveis no primeiro trimestre, quatro eram ocupados por pessoas com doenças relacionadas à falta de saneamento, segundo estudo da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES).
— A OMS diz que a cada dólar investido no saneamento você economiza mais de três em custos de saúde. Então se temos um esgotamento bom, ou seja, se há o tratamento, a coleta e a destinação final desse esgoto, isso vai refletir justamente na saúde e na qualidade de vida da população. Tem diversos estudos que apontam que se pessoa vive em um local com saneamento adequado, ela tem melhor condição de vida, estuda melhor e tem uma saúde melhor — lembra Fernanda.
Fonte: “O Globo”