* Por Eduardo Fonseca
Recentemente tive o prazer de ler uma obra importantíssima para a literatura econômica: “Instituições, Mudança Institucional e Desempenho Econômico” do historiador econômico Douglas North. Apreciei não apenas a escrita do autor, mas principalmente o conteúdo da obra.
Não tenho a menor dúvida de que é um livro indispensável não apenas para economistas, mas para qualquer cientista social – principalmente se estivermos falando de juristas e historiadores. Logo em suas primeiras páginas, North questiona: o que faz com que os países desenvolvidos e os de Terceiro Mundo tenham diferenças tão aparentes no que diz respeito à eficiência de suas economias?
É a partir desse questionamento que todo o livro se desenvolve. E há algo de se notar, que é a principal lição do livro: o desenvolvimento econômico é um fenômeno institucional. As instituições são as regras do jogo de dada sociedade – de modo mais formal, são “as restrições concebidas pelo homem que moldam a interação humana” (NORTH, 2018, p. 13) – que se relacionam e moldam as organizações e vice-versa.
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É o conjunto de regras formais (Constituição, legislações, costumes jurídicos, direitos de propriedade e o ordenamento jurídico), informais (cultura e ideologias) e de organizações (Congresso, firmas, agências reguladoras, frentes parlamentares) que definem os rumos do desenvolvimento de uma sociedade.
Infelizmente, há no Brasil um certo vitimismo econômico que nos impede de observar o que North observou em 1991 – ano no qual o livro foi lançado. É uma psicologia do subdesenvolvimento que busca por um culpado exógeno ou por algo que está além do nosso controle.
Quantas vezes você não viu apontarem o dedo para Europa com a intenção de culpar toda uma América Latina e África subdesenvolvida? Quantas vezes você não viu culparem a crise externa por nossa atual crise econômica? Ou que nossa indústria é ineficiente por conta da concorrência desleal dos países desenvolvidos?
Porém, uma explicação mais institucionalista sobre nossa ineficiência faz bem mais sentido. O que há em comum entre os diversos países subdesenvolvidos, não está em terem sido algum dia colônia. Na realidade, a semelhança está no péssimo ambiente institucional para a operação de mercados eficientes e isso independe do nível de pobreza ou “saques europeus”.
Deve-se analisar certos pressupostos desse tipo de argumentação vitimista. Parece haver uma crença de que os recursos naturais de um país são relevantes ao seu desenvolvimento e, uma vez que os europeus roubam esses recursos, há subdesenvolvimento.
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Porém, as pessoas que lançam mão desse tipo de argumento parecem ignorar países como Hong Kong, que é extremamente pobre em recursos naturais, porém já se configura como ilha desenvolvida da China – além disso, o seu desenvolvimento se iniciou quando ainda era uma colônia da Inglaterra e se deu em menos de 60 anos.
Parecem ignorar a Austrália, uma antiga colônia penal, destinada a esvaziar as prisões da Inglaterra; mas que hoje é um país desenvolvido. Ou talvez o Chile, nosso vizinho latino-americano, que após profundas reformas econômicas das décadas 1970-80, entrou em um processo de desenvolvimento contínuo e hoje é o país mais desenvolvido da América Latina.
O fenômeno histórico e econômico é bem mais complexo do que isso. Dizer que a nossa colonização foi o que nos condenou ao subdesenvolvimento é muito mais que vitimismo, cheira a determinismo/fatalismo histórico.
O Brasil mantém uma péssima estrutura institucional, algo já bem bastante atestado. O que os portugueses, em sua exploração, trouxeram de ruim para o Brasil, não foi somente os seus saques, mas certamente o legado institucional. E nem mesmo isso é desculpa para o nosso subdesenvolvimento, uma vez que isso é passível de mudança (como mudou positivamente, principalmente a partir de 1988).
Para exemplificar o péssimo quadro institucional brasileiro, não precisamos ir muito além. O Brasil até hoje – mesmo com todas as medidas reformistas do governo anterior – tem um péssimo ambiente de negócios, impedindo a abertura de novas empresas, contratações, investimentos, etc. A enorme insegurança jurídica e o excesso de má regulação talvez sejam os principais entraves.
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Não há um quadro institucional que melhore a eficiência nas trocas econômicas, ou seja, que baixam os custos e ofereçam vantagens ao desenvolvimento do comércio. É, na realidade, um “quadro institucional (… ) que tende a perpetuar o subdesenvolvimento” (NORTH, 2018, p. 121).
Como é observado por North: “Com direitos de propriedade frágeis, leis aplicadas precariamente, barreiras à entrada e restrições monopolísticas, as empresas em busca de maximização dos lucros tenderão a trabalhar com horizontes temporais curtos, pouco capital fixo e pequena escala”, enquanto isso, grandes empresas “somente vão subsistir debaixo do guarda-chuva da proteção governamental mediante subsídios, proteção tarifária e propinas para o regime” (2018, p. 121-122).
Talvez seja por isso que não temos uma Apple ou Amazon, mas temos uma JBS, Odebrecht e cia. Certamente um ambiente institucional que não incentiva práticas produtivas, mas, além de improdutivas, ilegais – a Lava Jato e Petrolão são fortes exemplos dos argumentos de North.
Esse ambiente institucional e sua construção acabou não apenas por mitigar a eficiência econômica, mas como bem apontado por José Murilo de Carvalho em “Cidadania no Brasil: O Longo Caminho”, também a participação cidadã, entregando ainda mais a mudança institucional para as mãos de grupos de interesse.
O resultado desse péssimo ambiente institucional não poderia ser diferente: um país formalmente democrático, mas que há décadas enfrenta crises de inflação e corrupção dos governos, déficits orçamentários em áreas como previdência e serviços sociais de má qualidade, além, claro, do alto índice de violência e desigualdades sociais.
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Nós criamos um país que, embora tenha no artigo 3º de sua Constituição que um dos objetivos fundamentais da República é “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, possui um Estado que contribui não apenas para a continuidade dessas desigualdades, mas cria, ele próprio, cerca de um terço da desigualdade de renda nacional [1].
O que posso afirmar, é que o nosso subdesenvolvimento não foi causado pelos saques de nossas riquezas pelos europeus; nossa crise não foi causada por eventos exógenos à nossa realidade; e a nossa indústria não é ineficiente por conta da concorrência desleal dos países desenvolvidos. A culpa do nosso subdesenvolvimento é exclusivamente nossa.
São os fracos direitos de propriedade, o péssimo ambiente de negócios, a insegurança jurídica, empresas estatais e as agências reguladoras controladas e criadas para o interesse dos nossos políticos e grupos de pressão.
Talvez nós mereçamos um pouco mais de tempo. A construção institucional é, majoritariamente, incremental e histórica. Mas um dia sairemos das amarras das péssimas instituições que disseminam ineficiência econômica, desigualdades e privilégios para vivermos o ideal dos países desenvolvidos.
Até lá, a sombra do subdesenvolvimento estará presa a nós. Porém, até o momento, tudo isso simplesmente não é culpa dos outros, mas nossa. A busca por soluções corretas passa, primeiro, pelo diagnóstico correto. Diagnosticar o problema como alheio à nossa ação, torna a solução igualmente alheia a ela.
Por que somos subdesenvolvidos? São as instituições, as nossas instituições, justamente aquelas que apenas nós podemos mudar.
* Eduardo Fonseca é aspirante a jurista e um liberal convicto, tem um interesse especial por ciência política, economia, sociologia, políticas públicas e demais análises sociais.
Fonte: “Terraço Econômico”, 27/01/2019