Estima-se que o “pacote do desconforto eleitoral” anunciado pela presidente na semana passada custe algo entre R$ 8,5 bilhões e R$ 9 bilhões em 2015.
Trata-se, é claro, de sinal de irresponsabilidade fiscal, mas, medido relativamente ao valor esperado do produto para o ano que vem, é algo como 0,2% do PIB (Produto Interno Bruto). Ruim, mas dificilmente a gota d’água que faria transbordar o pote até aqui de mágoa em que se transformaram as contas fiscais brasileiras.
É, na verdade, café pequeno perto dos desafios que esperam qualquer um que se sente na cadeira presidencial no dia 1º de janeiro de 2015.
Para começar, o valor real do superávit primário do país – deduzidas a contabilidade criativa, receitas não recorrentes etc.- não deve alcançar 1% do PIB em 2014, provavelmente bem menos.
Idealmente deveríamos retornar aos patamares que vigoravam antes de 2009, em torno de 3% do PIB, mas não é necessário muito esforço para perceber que se trata de uma impossibilidade tanto política quanto econômica, em face da já conhecida rigidez do Orçamento nacional e das regras de reajuste de salário mínimo.
Há, em segundo lugar, a questão a cada dia mais premente da inflação reprimida. Preços de combustíveis, energia, transportes urbanos, para ficar apenas nos mais visíveis, terão que ser corrigidos a partir de 2015. Resta saber se à vista (conforme recomendado) ou em suaves prestações (no caso colaborando para manter as expectativas inflacionárias devidamente inflamadas), mas não há como escapar dos reajustes sob pena de agravamento das condições financeiras nada confortáveis da Petrobras, bem como das distribuidoras de energia.
E, apesar da repressão dos preços administrados, a inflação corre sério risco de ultrapassar o teto da meta no fechamento de 2014, o que provavelmente forçará o Banco Central (constrangido, claro) a retomar o processo de aperto monetário que, por ora, ameaça interromper sob a argumentação de que… Bom, na verdade, sem argumentação alguma, além do fato óbvio de ser ele quem determina as taxas de juros de curto prazo.
Por fim, a se materializar o cenário em que o Federal Reserve começaria a elevar a taxa de juros em algum momento de 2015, o BC também teria que abrir mão da maciça intervenção sobre a taxa de câmbio e permitir que esta se ajuste a condições internacionais bastante distantes das que vigoraram até há pouco.
Note-se que os itens dessa agenda dizem respeito apenas à questão da recuperação da estabilidade perdida, isto é, trazer a inflação de volta à meta em prazo razoável, eliminar os demais desequilíbrios macroeconômicos e corrigir as imensas barbeiragens setoriais cometidas nos últimos anos.
Há, além dessa, uma agenda adicional, com foco em questões como produtividade, liberalização, redução de entraves burocráticos, avanço na infraestrutura etc., sem a qual continuaremos limitados ao crescimento medíocre, na casa de 2% ao ano, observado recentemente.
O tamanho do esforço requerido para recuperar a estabilidade e nossa capacidade de crescimento sustentável é proporcional ao peso da verdadeira herança maldita, resultado de anos de políticas econômicas equivocadas, cujos efeitos transparecem no crescimento irrisório, inflação persistentemente acima da meta (4,5%, não 6,5%!), desequilíbrios crescentes das contas externas, desarrumação do setor energético, baixo investimento e as demais (in)consequências do experimento heterodoxo a que o país foi submetido.
Quem fizer a coisa certa ainda terá que conviver inicialmente com inflação alta e crescimento baixo, preparando o terreno para recuperação da estabilidade e do crescimento à frente. Caso, porém, não seja feita, o tamanho da conta continuará a crescer, como faz ininterruptamente desde 2010.
Tudo indica que 2015 será um ano que dará saudades de 2014; mas que seja por bons motivos, senão em 2016 nossa saudade será ainda maior.
Fonte: Folha de São Paulo, 7/5/2014
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