Quanto mais o governo demorar para fazer o ajuste fiscal, medida considerada necessária e urgente para a frear o crescimento da dívida pública e estimular a retomada da economia, maior ficará a conta a ser paga por empresas e trabalhadores — ou os cortes que terão de ser feitos em serviços públicos como educação e saúde. É o que aponta um estudo feito pelos economistas Rubens Penha Cysne, professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da FGV-Rio, e Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), que mede o custo do atraso do ajuste via aumento da carga tributária ou redução de gastos públicos. Os dados, que serão apresentados no próximo Fórum Nacional, organizado pelo ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso, foram antecipados com exclusividade ao “Globo”.
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Segundo o levantamento, se o governo terminar este ano sem implementar o ajuste, o esforço fiscal adicional para implantá-lo no primeiro trimestre de 2017 seria de 0,35% do Produto Interno Bruto (PIB), ou R$ 21,06 bilhões, em relação ao que teria sido necessário em junho de 2016, ponto de partida do estudo. Se o ajuste ficar só para o fim do ano que vem, esse esforço adicional dobraria para 0,71% do PIB, ou R$ 42,72 bilhões. Isso significa que o governo teria de cortar ainda mais os gastos, ou elevar ainda mais a carga tributária em relação ao que seria necessário um ano e meio antes, para estancar o aumento da dívida pública. A relação entre dívida bruta e o tamanho do PIB — um dos principais indicadores da saúde financeira do país e que dá o tamanho do descontrole fiscal no Brasil — saltou de 51,69% para 69,5% do PIB entre o fim de 2013 e julho deste ano.
“Quanto mais demorar para implantar o ajuste, mais cara ficará essa conta. Se o governo tivesse feito o ajuste em junho, este se daria em um determinado nível de aumento de impostos ou redução de gastos. Se fizer um trimestre depois, ele precisa ser majorado ainda mais. E assim sucessivamente. Se o governo não resolve, a dívida pública aumenta, o juro vai aumentando, e você terá de pagar mais impostos para pagar esse juro”, resume Cysne.
Risco de hiperinflação
Para Freitas, a trajetória atual da dívida pública é insustentável. Ele lembra que a recessão e as altas taxas de juros elevaram o déficit nominal das contas públicas para mais de 10% do PIB no ano passado, e acredita que a dívida pública alcance 80% do PIB nos próximos dois anos. Fabio Klein, especialista em contas públicas da Consultoria Tendências, diz que o problema maior não é o tamanho da parcela do PIB comprometida, e sim o custo dessa dívida:
“Se tivéssemos um custo baixo, com inflação e juros baixos, não seria problema. O Japão tem 200% do PIB comprometido com dívida, mas lá você tem deflação e juros negativos. No Brasil, nossa Taxa Selic é muito alta (está hoje em 14,25% ao ano), e a dívida acompanha a trajetória dela.”
Os autores do estudo defendem um ajuste fiscal via enxugamento de gastos públicos, sem aumento de impostos. Freitas argumenta que o corte de juros também é fundamental para o equacionamento fiscal:
“Nossos juros reais estão na faixa de 6% a 7% ao ano. É a maior taxa do mundo. O Banco Central deveria estar frustrado por isso. Ele tem de estar preocupado com a inflação, mas não pode esquecer as circunstâncias, como um Congresso que não quer ou demora a aprovar. O que importa é que estamos vivendo uma recessão brutal. Se o BC insistir em um juro real alto, cai a arrecadação e piora a dívida.”
Mas Raul Velloso, economista especialista em contas públicas, pondera que baixar os juros antes de consertar as contas públicas traz o risco de hiperinflação:
“Uma coisa é estabelecer imposto novo, propor reduzir o gasto da Previdência. Outra é querer que a taxa de juro diminua. Não existe o Banco Central ter autonomia para reduzir a Selic sem antes o país fazer a lição de casa das contas primárias. Do contrário, vai apressar a vinda da hiperinflação, o que será uma desgraça para a população.”
Freitas, por sua vez, defende que a política monetária, ao manter os juros elevados para combater a inflação, pode esbarrar na inércia da implementação das reformas e contribuir para o ressurgimento da predominância fiscal:
“Quanto mais o Congresso e o governo perdem tempo para implementar a política ideal para reduzir a trajetória dos gastos primários, maior é o peso das taxas de juros elevadas que recai sobre a dívida.”
Klein, por sua vez, não vê espaço para aumento da carga tributária:
“Hoje, o cenário político e fiscal mostra que um aumento de impostos está cada vez mais limitado, mas ainda achamos que isso vá ocorrer. O que se espera, agora, é que o governo controle seus gastos, revise as regras do Orçamento e faça um trabalho de gestão muito forte. O repasse a órgãos públicos vai diminuir. Alguém vai perder. Por isso o governo precisa calcular bem o custo-benefício desses cortes.”
Velloso ressalta a urgência do ajuste, alertando que, sem uma mobilização política forte, o Brasil vai “caminhar para uma situação de explosão da relação dívida/PIB e a hiperinflação de volta”:
“E isso, ninguém quer.”
Freitas lembra que, desde 2000, o Brasil vinha conseguindo fazer superávit primário para pagar os juros da dívida. Mas isso mudou em 2014, quando o país começou a registrar déficits que culminaram em um rombo recorde na ordem de 1,88% do PIB em 2015.
“Em termos de pagamento da dívida, estamos regredindo aos anos 1970 e 1980, quando não fazíamos saldo primário nem para pagar os juros da dívida. Só que hoje o quadro é mais dramático, porque os juros reais são muito maiores do que naquela época, que tinha uma hiperinflação corroendo a dívida”, afirma o economista. “O ajuste fiscal proposto agora, via corte de gastos, é melhor forma de equacionar as contas públicas.”
Nas projeções da Tendências, o rombo este ano ficará em 2,7% do PIB, recuando a 2% em 2017. Ou seja, um buraco de quase 7% em três anos.
“E quem paga essa conta é a sociedade”, diz Klein.
Fonte: “O Globo”.
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