A agenda econômica para o próximo mandato não está suficientemente clara, sendo que o calendário eleitoral, naturalmente, contaminou muito o discurso governamental.
Ainda assim, alguns elementos importantes podem ser notados na retórica oficial e de interlocutores do governo, como segue nos quatro pontos abaixo que podem dar dicas dos desdobramentos por vir:
Primeiro, afirma-se que não há inconsistência na gestão da política macroeconômica; inflação no teto é inflação na meta, sendo que foram choques adversos os principais responsáveis pelo desvio. Ajustes pontuais da política econômica seriam necessários, mas não sua reorientação.
Do lado fiscal, fala-se em desmontar a política fiscal expansionista, considerada anticíclica, para garantir a estabilidade da dívida pública como proporção do PIB. Esse ponto foi particularmente apontado no anúncio da meta de superávit primário de 1,9% do PIB no início do ano. No entanto, com a combinação de ciclo eleitoral, liquidez internacional e preços de ativos bem comportados, a política fiscal seguiu expansionista, contrariando a própria expectativa do Banco Central de impulso fiscal neutro para 2014. Agora que todos descem do palanque, as sinalizações de controle de gastos já começam a aparecer, retomando-se a retórica mais conservadora adotada no início do ano.
Provavelmente, será do lado fiscal que poderão vir ajustes mais sensíveis, eliminando alguns excessos nos gastos discricionários nos últimos anos; o que não significa que o governo conseguirá anunciar meta fiscal crível que ao mesmo tempo seja suficiente para acalmar os agentes econômicos.
Na política monetária, o BC decidiu elevar a taxa Selic para 11,25 aa, supostamente preventivamente, por conta da correção da taxa de câmbio no último mês. É improvável, no entanto, que o ciclo seja prolongado ou de grande magnitude, à luz do diagnóstico do BC de uma economia operando abaixo do potencial e com juros reais no campo contracionista. Provavelmente, o BC quis surpreender os mercados justamente para não ter que elevar muito a Selic.
O segundo argumento oficial é que os alicerces de crescimento foram construídos, sendo uma questão de tempo os resultados aparecerem. 2014 frustrou as expectativas por conta das incertezas eleitorais, que impactaram a confiança dos agentes econômicos, sendo que a campanha da oposição pregando austeridade teria responsabilidade por esse resultado. Consequentemente, empresários engavetaram projetos de investimento e consumidores ficaram mais conservadores.
Por esse argumento, passada a eleição, voltam os investimentos e o consumo vai recuperar, assim que os bancos privados decidirem elevar a oferta de crédito, que poderá ser estimulada pelas medidas recentes do BC para liberar o compulsório. Não há restrições do lado da demanda de crédito, pois a taxa de desemprego é muito baixa.
Assim, não seria mais necessário estimular a economia via política fiscal. De quebra, com mais crescimento, melhoram adicionalmente os indicadores fiscais via aumento da arrecadação tributária.
Terceiro, não há erro na política de crédito dos bancos públicos. Eles são responsáveis por políticas estratégicas e têm também função anticíclica. Assim que os bancos privados reagirem, os públicos poderão recuar. Os benefícios da estratégia superam os custos.
A moderação de crédito dos bancos públicos deve ser, portanto, lenta, com impactos ainda relevantes na transferência de recursos do Tesouro para o BNDES.
Quarto argumento, o baixo crescimento do PIB não preocupa muito. O importante é que indicadores sociais continuem melhorando. A interrupção do movimento de queda do Índice de Gini, que mede a distribuição de renda, é transitória e modesta após avanço expressivo da última década. Dados da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE indicam retomada da trajetória de queda do Índice de Gini.
Enfim, pelos pontos acima, o modelo econômico estaria, grosso modo, redondo, calibrado. A falha do governo estaria na comunicação de seus objetivos e instrumentos aos agentes econômicos. Teria faltado diálogo. Por essa perspectiva, não há necessidade de reavaliação do modelo econômico, sendo necessários apenas alguns ajustes naturais.
Por outro lado, a preocupação com o déficit de credibilidade do governo parece bastante relevante, diante da menor boa vontade das agências de classificação de risco e de investidores. Esse receio se traduz em esforços para sinalizar uma política econômica cautelosa. O primeiro sinal concreto veio do Copom.
Nesse quadro, qual seria então o papel do Ministro da Fazenda? Restabelecer a credibilidade nas ações do governo, dialogar com agentes econômicos e evitar agendas negativas, na falta de agenda ambiciosa de reformas.
Tudo acertado, só falta agora tudo dar certo.
Para os críticos do governo, não há espaço para efetiva retomada da economia tão cedo e a alta da taxa de desemprego, com impacto nos indicadores sociais, está contratada. Neste caso, ajustes pontuais não seriam suficientes, sendo necessária reavaliação mais profunda da agenda econômica.
Caso os críticos tenham razão, como será a reação do governo? É na adversidade que se revela o DNA de pessoas e de governos. Como o governo reagirá, neste caso, tendo em vista a campanha eleitoral e os compromissos assumidos?
Fonte: Broadcast, 30/10/2014
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