Uma visão extrema e ingênua de como seria o futuro da humanidade era o fim da história – as grandes mudanças terminariam com a triunfal e inexorável convergência universal ao paradigma das modernas democracias liberais, com a rendição de crenças religiosas fundamentalistas, ideologias obsoletas e culturas politicamente primitivas à síntese de democracias e mercados. A outra visão extrema consistia em ceticismo destilado, na expectativa de um inevitável choque de civilizações.
Essa posição cética considera insuperável o desafio de “ocidentalizar” um universo cultural milenar, irredutível a nossas dimensões. Seriam inadequadas e pretensiosas nossas exigências culturais sob o pretexto da modernização. Essas não são as questões fundamentais em nossos caminhos, pelo menos no futuro próximo.
À luz dos excessos de financistas anglo-saxões e dos abusos da social-democracia europeia, a pergunta crucial agora é em que medida resistiremos nós, ocidentais, às exigências dessa nova ordem econômica global em formação, já que, do outro lado, há um longo histórico de centralização de poder político e mobilização econômica forçada. O mergulho de 3,5 bilhões de eurasianos nos mercados de trabalho globais ocorre ainda em meio à supressão de direitos humanos elementares, à inexistência de custos com a manutenção das redes de solidariedade existentes em sociedades abertas e à desconsideração de questões ambientais.
Tudo isso exige de nossa parte eficientes reformas para fortalecer a competitividade ocidental diante da guerra mundial por empregos, já deflagrada. Não se trata apenas de uma disputa entre a qualidade educacional de trabalhadores, a estratégia competitiva das empresas e a vantagem comparativa das nações. É também, essencialmente, um confronto de eficiência entre as políticas públicas – e aqui o Brasil tem muito a fazer. Nossos gastos públicos são centralizados em demasia (o que pede uma reforma fiscal), financiados por impostos excessivos (precisamos de uma reforma tributária), sob legislação trabalhista obsoleta e encargos sociais proibitivos (carecemos também das reformas trabalhista e previdenciária).
Mas não há como disparar esse ciclo de mudanças estruturais sem uma prévia reforma política, o que Dilma Rousseff reconheceu no discurso de posse. A presidenta terá de tomar a iniciativa, e quanto mais cedo melhor. Como dizia a notável Margaret Thatcher, “esperar o consenso é negar o papel fundamental da liderança”. Afinal, parecem intransponíveis as dificuldades da classe política em superar os obstáculos do corporativismo, da cumplicidade tribal e do código de acomodação entre membros de pequenos bandos.
O Congresso precisa ganhar funcionalidade para a tramitação das reformas. É imprescindível que o Executivo tenha como interlocutores os partidos políticos, agentes da governabilidade, dispensando uma relação suspeita e disfuncional com cada deputado e senador. Sair do varejo para o atacado é desejável, mas à luz do dia, sem mensalões.
O primeiro princípio é a adoção de uma cláusula simples de desempenho político dos partidos. As legendas que derem sustentação parlamentar às propostas ocuparão os espaços ministeriais e as trincheiras administrativas do respectivo front para implementar as reformas. Preencherão os núcleos governistas os partidos que trouxerem seus votos no atacado. Daí o segundo princípio da reforma política, a cláusula de votação em bloco nas matérias. Após o exame das propostas pelos parlamentares e uma votação democrática interna, a legenda carregaria todos os votos do partido para sua aprovação ou rejeição, acelerando seu trâmite. O terceiro princípio é a cláusula da fidelidade partidária, com a perda do mandato para evitar trocas oportunistas de partidos políticos.
O enfrentamento do problema da governabilidade é indispensável para o bom funcionamento de uma democracia emergente. E também para a busca de eficiência ante a competição global.
Publicado na revista “Época”
No Comment! Be the first one.